Por João Ricardo Serafim, Luana S. Barreto e Rodrigo Bertamé
Recentemente tivemos a triste notícia do desabamento de uma casa de três pavimentos no Morro da Cotia, no Complexo do Lins. É importante ressaltar que este não é um fato isolado. A consolidação do espaço urbano no Brasil revela que a questão da moradia é ainda uma das maiores e mais complexas problemáticas das nossas cidades. Enfrentamos um grande desafio de dimensões políticas e socioeconômicas que se agrava a cada ano.
Morar com qualidade ainda parece um artigo de luxo. Enquanto alguns privilegiados conseguem contratar técnicos em edificações, engenheiros civis, ambientais e arquitetos para suas obras, a grande maioria dos trabalhadores mais pobres não tem condições financeiras para acessar esses serviços. Assim, a autoconstrução ou construções precárias são a única alternativa para garantir um teto sobre suas cabeças.
Segundo pesquisa DATAFOLHA e CAU-BRASIL realizada em 2022, “Dentre 50 milhões de brasileiros que já fizeram obras de reformas ou construção, 82% não contrataram serviços de profissionais tecnicamente habilitados, arquitetos ou engenheiros”.
As implicações do distanciamento desses profissionais das construções do cotidiano são diversas: desabamentos (como o ocorrido), estruturas condenadas por intempéries, problemas decorrentes da falta de cálculo estrutural, exposição e oxidação de ferragens, estufamento de ladrilhos, infiltrações, impermeabilização mal-feita, flambagens, ventilação natural precária (aumentando o índice de doenças respiratórias), instalações elétricas mal elaboradas (aumentando o risco de incêndio), hidráulicas e sanitárias feitas de forma incorreta.
As questões se agravam mais ainda em uma realidade de desigualdade urbana como a vivida no Rio de Janeiro. Vivemos questões específicas que exigem um programa robusto com olhar técnico especializado e multidisciplinar.
Segundo a pesquisadora Luciana Ximenes e Samuel Jaenisch do Observatório de Metrópoles: As favelas Rio se caracterizam por terem a maior densidade demográfica dentre todos os municípios da Região Metropolitana (257 hab/ha) e por possuírem uma alta taxa de verticalização, sendo que, em média, 24% dos domicílios possuem três pavimentos ou mais, 59% possuem dois pavimentos, restando 17% com apenas um pavimento.
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Morar com qualidade e dignidade é um direito constitucional universal, e é dever do Estado garantir que aqueles que não têm condições de contratar um arquiteto pela via direta possam ter acesso a esses serviços especializados.
Democratizar a prestação de serviços em arquitetura e urbanismo trará benefícios diretos para milhares de famílias, para o conjunto da sociedade e para nossas cidades, além de gerar economia no setor público e dinamizar a cadeia produtiva da construção civil.
Por isso, é necessário criar um sistema capaz de massificar os processos respeitando a esfera pública e democrática do direito à cidade. Devemos aprender com ações como Favela-Bairro, Morar Carioca, entre outros. Citamos aqui uma política de grande valor: precisamos revisitar a experiência dos POUSOs, otimizando os pontos positivos e corrigindo os negativos e integrando ao funcionamento da estrutura, o conceito de Assistência Técnica amparado pela lei.
Defendemos a criação de uma instância pública, com profissionais concursados da área da Arquitetura e Urbanismo e demais setores da construção civil, somados a agentes comunitários e assistentes sociais. O órgão, que funcionaria como uma defensoria pública, estaria associado às secretarias municipais de urbanismo, a fim de fazer cumprir a lei da Assistência Técnica.
Seus respectivos servidores seriam responsáveis por acolher os requerimentos da sociedade civil em comprovada situação de vulnerabilidade econômica no âmbito das suas necessidades em construção, e pensar a assistência técnica no âmbito de três escalas: familiar, comunitária e de Estado.
Caberia a esta instância dar os primeiros acolhimentos e soluções para dignidade habitacional dos moradores e levar a instancias superiores do poder público demandas urgentes como saneamento do território, criação e manutenção de praças, entre outros.
Retomar o caráter do arquiteto como um servidor da sociedade e um elo entre as comunidades mais vulneráveis e as esferas públicas de poder trará benefícios a todas as camadas da população brasileira. Seriamos capazes de reduzir as mazelas e riscos que a desigualdade social e espacial cria nas cidades e desonerar o Estado em gastos emergenciais que são realizados a cada tragédia que nos assola ao mesmo tempo em que mitigamos o sofrimento que as populações mais pobres enfrentam na luta diária pela sobrevivência.
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