A pedagoga e professora Alessandra da Silva Pinto, especialista em Educação Básica, Alfabetização e Letramento, realizou uma pesquisa com crianças com idades de 5 a 9 anos para falar sobre raça e racismo. A conversa tinha como instrumento lúdico o livro infantil “Menina Bonita do Laço de Fita”, da autora Ana Maria Machado e, as respostas das crianças, como descreve a professora, revelaram que o racismo está presente desde a infância nas rotinas de formação. No Dia Internacional do Livro Infantil, comemorado neste 02 de Abril, ela lembra a importância da representatividade negra em livros infantis na construção da identidade das crianças.
A pesquisadora conta que uma conversa sempre se repetia entre as crianças quando ela apresentava as personagens negras que no livro são exaltadas pela beleza dos traços que possuem e dos cabelos “algumas crianças brancas e negras afirmavam que as personagens não eram bonitas, eram feias. Até, na mesma situação, uma criança negra se escondeu porque se sentiu representada e diante da fala dos colegas, sentiu-se imediatamente acuada”, conta Silva. Ela lembra de uma situação que a marcou muito: “na história a personagem da menina responde que é preta porque tomou muito café e um menino negro respondeu que se for assim, ele queria tomar leite pra ficar branco”.
Silva observou na pesquisa que para os meninos e meninas essa relação entre raça passa muitas vezes pela percepção do padrão de beleza “não raras vezes, ouvi relatos de crianças dizendo que não eram bonitas ou de uma menina de 5 anos que disse precisar alisar o cabelo para ser bonita. Mesmo eu dizendo o contrário, ela afirmou mais uma vez que não o era”. A professora lembra que desde 2003, a Lei 10639- Lei de Diretrizes e Bases da Educação, incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da presença da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” nos materiais mas a presença da representatividade negra nos livros ainda é muito baixa. “A representatividade é fundamental na construção da identidade das crianças. O livro, muitas vezes, é a entrada para o autoconhecimento, onde as crianças aprendem sobre seu passado e podem construir o futuro. Para a criança é importante se ver representada na figura de reis, rainhas, príncipes e de personagens principais”, observa a pedagoga.
Foi também diante dessa ausência de representatividade que uma noite, enquanto contava uma história para a filha Dandara, com 3 anos na época, o professor Dionysius Mattos decidiu subverter a história infantil “Cachinhos Dourados”. Ele conta que começou a ler a história mas aquele cenário não fazia sentido: “Urso? No Brasil não tem urso, eu não tenho nenhum parente loiro, nem minha filha. Então comecei a contar cachinhos crespos, troquei urso por onça que é um animal muito próprio da fauna brasileira e mingau virou açaí”, lembra Mattos.
Na época, ele contou a história no twitter e a publicação passou de 20 mil curtidas “20 mil pessoas, de todas as regiões do Brasil! E começaram a dar pitacos sobre a história, então o livro é uma obra coletiva. Vamos combinar que essa história estava na cabeça de cada um que é negro nesse país, negro e indígena. Por que a gente tem que gostar de algo que não é daqui?” ressalta Mattos que ainda expressa o desejo que as crianças se sintam acolhidas ao lerem histórias “quero que minha filha tenha orgulho da origem dela. Cachinhos dourados e contos europeus, não! Crescer com esse tipo de imaginação, esse tipo de morte imaginária, eu não quero que a minha filha cresça assim, não quero que nenhuma criança do nosso povo cresça tendo como referencial ‘cachinhos dourados’ ”, ressalta o pai de Dandara.
Depois da repercussão da história, “Cachinhos crespos e as três onças”, virou livro. A ilustradora Renata Aguiar deu traços a história e outros ilustradores: Anna Beatriz Modesto, Dylan Ranna, Nami, O Mati-Taperê e Raquel Teixeira, participaram da campanha de arrecadação para a produção do livro que foi finalizada em 2020. Mattos ainda observa que Cachinhos Crespos é um personagem sem gênero porque o objetivo é que as pessoas se identifiquem com a história. “O livro é um trabalho coletivo, mas qualquer pessoa no Brasil que é negra, que tem o cabelo crespo tinha essa história pronta na cabeça, alguém só precisava colher essa fruta do mundo imaginário”, finaliza.
Falar sobre raça e racismo com as crianças
Um outro ponto abordado no trabalho da pedagoga Alessandra da Silva Pinto é a importância da conversa com as crianças por parte dos pais e dos professores “Como pedagoga, hoje posso dizer que este trabalho fez com que me atentasse mais às falas das crianças, principalmente quando o assunto se trata de raça. Penso que ainda existem muitos professores que não estão envolvidos e que, preconceitos fluem aos olhos e sem questionar, podem ajudar até a reproduzir”. Ela acredita no potencial das histórias infantis para trazer à tona essas discussões mas ressalta que precisam ser acompanhadas de escutas e diálogos, “Para mim fica negritado que o silêncio a qualquer manifestação de discriminação, racismo ou preconceito não é a melhor resposta. O não dito pode ferir profundamente, tanto quanto o que é dito”, lembra Silva.
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