Após o presidente Lula dizer na última semana de outubro que ‘dificilmente chegaremos à meta zero’ em 2024, e o ministro da Fazenda Fernando Haddad ter dito que ainda insistiria na meta de déficit zero, se instaurou um grande debate público entre economistas, intelectuais e militantes. O Notícia Preta entrevistou os economistas Wallace Borges e Ian Horta para analisar a situação.
Wallace Borges é formado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Ian Horta é mestrando em Economia no PPGE-UFF, além de pesquisador do Laboratório de Estudos Marxistas da UFRJ (Lema-UFRJ). Segundo ele, um resultado fiscal de déficit zero, “é a receita do governo sendo igual aos gastos, tirando a dívida pública”.
Ian Horta explica que o resultado fiscal costuma ser tratado, nesses debates, em termos primários, o que significa que se pensa apenas nos gastos e nas receitas primárias, isto é, os gastos referentes aos bens e serviços públicos (saúde, educação, previdência, obras etc), e as receitas são referentes à arrecadação de impostos e tributos.
De acordo com os economistas, alcançar o “déficit zero”, não significa que a dívida pública brasileira vai acabar. Isso porque ela não é paga de uma vez só, mas ao longo do tempo, anualmente, através dos juros, ou seu pagamento é adiado, a partir da troca de títulos da dívida pública velhos por mais novos.
O presidente Lula declarou que não vai “estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para este país”. E especialistas dizem que a tentativa de fazer déficit primário em 2024, pode ser prejudicial aos mais pobres.
Horta explica ainda que a questão do déficit zero está atrelada ao Novo Arcabouço Fiscal, “proposto pelo Haddad e que já foi aprovado e está em vigência”. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 fixou uma meta fiscal neutro, ou seja, déficit zero e também superávit 0, se pensar pelo outro lado.
Eles explicam que os gastos com saúde e educação poderiam ser afetados e por isso prejudicaria os mais pobres. De acordo com o artigo 212 e 198 da Constituição Federal de 1988, o governo é obrigado a gastar pelo menos 15% da receita corrente líquida com a saúde e 18% da receita com impostos na educação.
Horta afirma que o arcabouço tem limite do crescimento dos gastos, que é 2,6% nos gastos reais e limitado a 70% do aumento das receitas. “Então, como é limitado o crescimento dos gastos a partir do crescimento das receitas, como saúde e educação estão inseridos nesses gastos primários que estão limitados e eles tem investimento mínimo constitucionais eles vão puxar esses gastos pra cima e não vão ser cumpridos para se chegar a meta de déficit 0″, analisa.
Ian Horta acredita que uma saída para que o Estado arrecade e tenha maior valor de receitas seria criar novos impostos, mas segundo ele Haddad não pretende criar novos tributos.
“Recentemente, o Brasil tem tido déficits primários, e a equipe econômica do governo pretende reduzir esses déficits até alcançar superávits nos anos posteriores, para que o Brasil alcance ‘estabilidade’ e consiga o ‘crescimento’ econômico. Só que, se você quer sair de déficits primários e chegar no ‘déficit 0’ no ano seguinte, de duas uma: ou você vai arrecadar mais do que está arrecadando, ou você vai gastar menos do que está gastando”, explicou o mestrando.
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Wallace Borges concorda que a saída seja cobrar mais impostos dos mais ricos e explica, “os mais ricos, muitas vezes driblam os impostos, ou por protestar no judiciário, ou fazendo lobby no congresso pra ter isenção. Esse fato prejudica os mais pobres, pois tira a ideia da Constituição Cidadã de 1988, que foi pensada numa lógica em que os impostos pudessem desenvolver um bem estar social e fazer do Brasil um país com alto grau de justiça social”.
Borges ainda acrescenta que, num cenário normal, seria uma pauta legítima dos mais pobres o Estado operar em déficit zero, mas como o lobby no congresso é sempre pra cortar gastos e não aumento de arrecadação, “a população mais pobre precisa ter cuidado ao pautar o déficit zero pois tradicionalmente se cortam gastos, e tradicionalmente são os gastos sociais os primeiros a serem cortados”, afirma.
Ainda segundo Borges, a média dos países desenvolvidos não operam em déficit zero, “mas no Brasil é ainda mais difícil por que o sistema tributário é caótico. Acho muito difícil regras draconianas como essa funcionarem”.
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