A dança do ventre é uma das manifestações femininas mais executadas no oriente
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Reportagem publicada originalmente pelo Coletivo baiano Entre Becos e replicado com autorização dos produtores do material
Mulher magra, cabelos longos, branca e sensual. Talvez essa ainda seja a representação que mais circula na internet ou no imaginário da população relacionada a dança do ventre. Mas, essa não é a imagem encontrada na Raksa Escola de Dança, no bairro de Pernambués, periferia de Salvador.
Cris Azevedo, 43, professora e proprietária, acredita que o ensino da dança do ventre deve contemplar todos os corpos. Ao longo dos 20 anos de ensino, a professora tem observado nas alunas conflitos com a imagem.
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“As mulheres com mais idade, as mulheres gordas, especialmente, acreditam que não podem praticar a dança do ventre. Para que a movimentação corporal aconteça, elas creem que precisam ter um determinado padrão. A gente tenta desfazer essa ideia, mas ainda é difícil”, conta.
Mostrar o corpo numa apresentação de dança pública deixou a assistente administrativa Lix Rego, 40, angustiada. “Sou alta, sempre fui muito forte e estive acima da média de peso das outras meninas. Em 2015, quando voltei a participar com frequência no Raksa, eu repetia: ‘Não vou me apresentar’”, lembra a moradora do Resgate. Mas, o incentivo das colegas fizeram com que mudasse de decisão.
A secretária e assistente administrativa Erika Marques, 46, integrante do grupo Raksa, também conta o desconforto sentido nas primeiras apresentações de dança que, aos poucos, conseguiu superar. “Esse é meu corpo e tenho que aceitar, porque vai me fazer feliz. Se tiver que dançar, será com este corpo que ganhei com a minha idade, com a minha experiência de vida, com filhos e não posso me negar”, diz a moradora de Pernambués.
Para Cris, o controle sobre o corpo feminino na dança do ventre está ligado ao processo histórico de representação e difusão negativa, feita pelos colonizadores europeus, da dança praticada nos continentes asiático e africano.
“Os europeus demonizavam a dança do ventre. Diziam que era provocativa, com mulheres animalizadas. Diante da possibilidade da prática ser explorada no ocidente, eles retiraram, por exemplo, a imagem dos povos africanos e colocaram as pessoas brancas”.
A professora ainda explica que as imagens das dançarinas egípcias destoam das imagens propagadas.
“No Egito, os cabelos das primeiras bailarinas, conhecidas como ghawazee, eram crespos e elas usavam tranças. Os corpos dessas dançarinas eram diferentes do padrão europeu. Nós compramos essa ideia equivocada”.
No artigo “O orientalismo na história da dança do ventre”, a pesquisadora Naiara Assunção explica que o imaginário sobre o oriente, construído e difundido pelos colonizadores europeus, estava direcionado a imagem da mulher que era “vista como inerentemente misteriosa, sensual e exótica. Essas imagens se consolidaram no imaginário ocidental, primeiro através das pinturas orientalistas do século XIX, depois através da cultura de massa, no século XX”.
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Muito além da sensualidade
Com aulas às segundas, quartas e quintas, à noite, e aos sábados, pela manhã, o espaço de dança Racksa tem recebido mulheres de diferentes padrões interessadas no cultivo do bem-estar, a exemplo da administradora Rosemeire Silva, 50.
“A dança do ventre é a minha terapia. Quando saio de casa para fazer minha aula, uma vez por semana, eu esqueço de casa, de trabalho, de marido, esqueço de tudo, porque aquele é meu momento”, enfatiza.
As aulas têm feito bem para Rosemeire, que também recebe o apoio e incentivo do marido. “Ele me auxilia e me dá suporte nas horas que mais preciso. E quando surgem comentários negativos, ele defende e diz que a dança do ventre é uma arte. Isso é muito legal, porque muitos homens têm uma visão errada da prática”.
Segundo Cris, a prática oferece muitos ganhos. “Traz benefícios como o fortalecimento muscular das pernas, do abdômen, dos ombros, além de ganhar postura”. A professora salienta que há uma mudança no estado emocional das alunas.
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“Muitas chegam tímidas. Com o passar do tempo, a prática da dança, o contato com outras pessoas, elas começam a ficar mais desinibidas e tranquilas. Minhas alunas entram na sala com astral e saem completamente diferentes”, pontua.
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Erika conta que as aulas são um momento dedicado para seu autocuidado, mas também é um espaço para o acolhimento das pessoas presentes. “Quando passo pelo portão, deixo meus problemas, minhas tristezas. Sinto o cheiro da essência e fico presente para dançar, para aprender e também para acolher. Somos um grupo de mulheres que alinhamos coisas juntas, conversamos e nos apoiamos. Aqui é meu lugar, porque somos diferentes”.
Para Cris, ser professora de dança tem trazido novos aprendizados. “O ato de praticar a dança e ver o corpo fazer movimentos, que antes julgava impossível de realizar, é uma das coisas mais importantes da prática, além do contato com outras mulheres que passam por questões semelhantes com a imagem. Minha missão de vida é com a dança, é com o bem-estar de mulheres e de pessoas que queiram se sentir bem”, finaliza.
Reportagem de Rosana Silva, Fotografia de Gabrielle Guido e Edição de Cleber Arruda.