O cineasta Leonardo Flores lançou neste mês de abril o curta-metragem Lipsum. O termo é uma abreviação de Lorem Ipsum, um texto sem significado usado para preencher páginas. A obra reproduz como personagens negros são retratados no cinema e na cultura pop em geral. O conceito do autor é mostrar o negro como protagonista. Demonstrando, assim, que a vida dos negros importam.
Confira a conversa do Portal Notícia Preta com o cineasta carioca:
NOTÍCIA PRETA: Leonardo, gostaríamos que você contasse um pouco sobre sua história e trajetória no audiovisual.
LEONARDO FLORES: “Eu comecei no audiovisual em 2014, quando eu fui chamado para escrever para uma revista digital chamada Arte Total. Eu tinha uma professora que gostava do jeito que eu escrevia e, então, ela me chamou para escrever. Quando comecei a escrever, eles ainda tinham uma carência de um vídeo promocional para o lançamento da revista e foi aí que eu comecei a entrar nesse meio da produção audiovisual. Eu fiz esse vídeo para a revista, mas não foi para frente porque eu ainda era iniciante. Daí eu me interessei pela área e fui fazer faculdade de Audiovisual na Estácio, em 2015. Acabei não terminando e, depois disso, fui trabalhar em uma produtora fazendo vídeos de casamentos, festas, etc. Só que, uma coisa que sempre me inquietava – e ainda inquieta – é que o espaço nas produções audiovisual é muito para o povo branco. E isso sempre me incomodou. Eu sempre tive esse incomodo dentro de mim, até que no ano passado, essa vontade de ocupar mais esse espaço tomou conta de mim. Eu não me enxergava nem nos meus trabalhos enquanto freelancer. No meio disso, eu acabei começando a escrever, tentar produzir coisas de minha autoria. Na faculdade eu era requisitado por conta das minhas ideias, eu estava sempre numa linha meio David Lynch e Spike Lee, e acredito que essa mescla sempre me deu um tipo de destaque na questão artística. Foi a partir disso que eu comecei a idealizar a LIPSUM. A partir de 2016, comecei a produzir videoclipes. Então, tenho 8 videoclipes sob minha direção. Eu sempre tive essa vontade de fazer filmes – tenho mais 2 curtas antes de LIPSUM -, onde fui diretor de fotografia e roteirista, mas não foram curtas com muita mensagem e sempre com pessoas brancas a frente deles. Mesmo participando daquilo, eu nunca me senti muito incluído”.
NP: o curta-metragem foi lançado no dia 09 de abril deste ano e carrega muitas mensagens importantes. Nos fale mais sobre as entrelinhas da obra:
LF: LIPSUM é um curta que pode parecer simples, mas que tem alguns pontos que são interessantes e, isso já começa pelo nome que é a abreviação de Lorem Ipsum que é aquele sistema de letras em latim em que ocupamos colunas em diagramação que, posteriormente será substituído pelo texto que será escrito naquela página ou site. Então, eu acredito que eu enquanto negro, assistindo filmes, a cultura pop em geral, vejo que os personagens negros sempre foram essa coluna que em algum momento será substituído. Por isso que nós temos em alguns filmes bastante personagens negros morrendo e sendo os primeiros a morrerem, servindo de escada para os protagonistas brancos e, o que eu quero com LIPSUM é mostrar que não é difícil não matar o seu personagem negro e, também mostrar no universo do escritor que muitos negros ainda não tem esse pensamento empoderador. Porque… se você reparar, o escritor está ali no âmbito de trabalho dele com várias referências estadunidenses, chinesas, japonesas icônicas em geral que não são coisas que o representam. Até a própria história que ele está escrevendo, não é uma história que tem algum tipo de representatividade. E tem uma dualidade nisso porque: o personagem não é um estereótipo que a indústria criou acerca do negro em filmes que não é o cara que joga basquete, não há alívio cômico; porém, também tem essa outra visão dele ser um cara negro que não possui referências negras que foi uma coisa muito presente na minha vida e na de outros amigos negros. Como nós estamos em um meio muito esbranquiçado e a nossa cultura vem sendo apagada a séculos, é difícil ter essas referências, se enxergar.
O conceito do curta é esse, esse universo… uma resposta a filmes e a cultura pop branca que matam o negro, essa coisa do personagem – mesmo sendo protagonista não estar exaltando nenhum tipo de referência negra – e, no final ele não morre. A mensagem principal que se une ao curta é a de que ele não vai morrer e que não é difícil a indústria do cinema não matar o negro. A aura de LIPSUM é justamente esse, colocar o negro como o protagonista. Um personagem que não vai morrer e assim, demonstrando que a vida dos negros importam na vida real também!
NP: Como se deu esse processo de construção do LIPSUM?
LF: A produção do LIPSUM… foi um curta feito de maneira muito, muito rápida justamente por conta dessa inquietude, foi ela que me fez querer fazer ele logo. Eu e minha noiva, Manoela Virgolino, fizemos o argumento no dia anterior a gravação e ainda na madrugada eu escrevi o roteiro; no dia seguinte, gravamos. Essa gravação durou de 4 a 5 horas e nós gravamos na casa de um amigo meu, onde só eu era o cara que fazia Audiovisual, de resto, o assistente de direção (Phelipe Teles) está se formando em Ciências Econômicas, o cara do som (Gabriel Dias) está se formando em Química, making of (Franklin Machado) é matemático, o assassino Kennedy (Caio Matheus) é formado em T.I e o escritor (Pedro Sobrinho) é um amigo meu que é físico. Foi uma produção muito baixo custo porque eu consegui juntar dinheiro para comprar uma câmera boa, mas todos os movimentos de câmera foram feitos com ela presa a um tripé em cima de um skate. A pós-produção durou 15 dias, onde o curta teve vários edites por várias pessoas diferentes, mas o meu foi o que passou.
NP: Você possui mais projetos como este em mente? Quais são os seus planos para o futuro?
LF: Tenho uma produtora independente chamada ABSURDO, então…os projetos para esse ano, como eu consegui reformar todo o meu equipamento, o meu objetivo é gravar mais um curta, maior e com diálogo ao invés de um voz-off, também sobre alguma questão que aflija a pessoa negra na sociedade com uma pegada surreal, porque eu acho que eu não consigo me desatrelar por conta da minha referência que é o David Lynch. Eu estou com mais seis videoclipes para lançar e, esse ano eu reformulei a identidade da produtora e, minha expectativa é de fato conseguir (é muito arrogante falar)… mas a vontade é de conseguir ser de fato uma referência para jovens negros que querem produzir, que querem ser cineastas, youtubers pegarem a câmera e fazer. É sempre difícil você ver uma referência negra e também vai ser sempre muito difícil alguém vir segurar a sua mão e te empurrar. Então, a minha vontade mesmo é ser uma referência para inspirar outras pessoas que queiram ser cineastas a realmente fazerem qualquer tipo de produção, para daqui algum tempo, elas possam ter espaço e que não sejam como eu que só tomou iniciativa de fazer algo porque não se enxergava e que tem tido o sonho constantemente negado pela sociedade. Eu quero que um dia realmente as pessoas digam sim aos jovens negros!
O cineasta Leonardo Flores também atuou como assistente de direção da websérie LGBT Esconderijo A Série – uma websérie quase inteiramente dirigida por mulheres – no ano de 2017. A websérie recebeu 6 indicações ao RioWebFest e conta a história de duas mulheres (Malu e Raquel) que tiveram um relacionamento, mas que se separaram pela mudança de uma delas para a Europa. A primeira temporada da websérie gira em torno do dia em que a mulher volta da Europa e vai reencontrar a ex.