Crianças periféricas sofrem com altas temperaturas em Salvador

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Com sensações térmicas frequentemente alcançando 42°C, conforme o Clima Tempo, as altas temperaturas de Salvador têm sido um desafio constante para a população neste verão, sobretudo para as crianças nas periferias.

A auxiliar de serviços gerais Verena Freitas, 41, moradora do bairro de Sussuarana Velha, está atenta aos cuidados do filho Kauan Freitas, 7, sem deixar de lado a preocupação com as contas mensais. “Ele bebe bastante água, então a gente investe em alimentos mais frescos. Temos uma piscina de plástico e um chuveirão, que nos finais de semana utilizamos para nos refrescar. Mas já usa pensando na conta de água e de luz do mês”.

Kauan tem criado suas próprias estratégias para lidar com a temperatura – Bruna Rocha / Entre Becos 2024

Verena destaca ainda a falta de ventilação na residência. “Infelizmente nossa casa não é ventilada, então à noite ele precisa ficar com um ventilador bem em cima dele, se tirar ou colocar longe, ele acorda”.

Kauan tem criado suas próprias estratégias para lidar com a temperatura. “Tomo banho e depois fico na frente do ventilador, quando sinto muito calor. Também bebo água toda hora. À noite, durmo com dois ventiladores, pode ser com um também, mas sem ventilador é ruim porque eu fico suando. É quente e ainda tem muriçocas”, conta.

Além disso, Kauan critica as condições do uniforme escolar. “A farda é um pouco quente. Aí, eu peço a minha mãe para colocar a mais folgada em mim”.

Assim como Verena, a jornalista Nadjane Mores, 33, também enfrenta os desafios da ventilação em casa e sobre como tornar o ambiente melhor para a filha Zara Moraes, de apenas nove meses.

Verena está atenta aos cuidados do filho Kauan sem deixar de lado a preocupação com as contas mensais – Bruna Rocha / Entre Becos 2024

“À noite fica ainda mais difícil. É um momento que parece que a quentura do sol, que bateu na casa o dia inteiro, reflete mais na temperatura. Dormimos com dois ventiladores, pois não temos ar-condicionado. Mas ainda assim, ela fica muito agoniada com o calor”, relata a moradora do bairro de São Marcos.

Nadjane investe em banhos refrescantes e em uma alimentação diferenciada para a bebê. “Passamos praticamente o dia inteiro dando banho nela. Faço sorvetes de frutas para ela e a deixo à vontade. Já que ela ainda não come açúcar eu congelo as frutas. A internet é minha grande aliada, pesquiso de tudo para driblar o calor e deixá-la mais confortável possível”, diz.

A dona de casa Rejane de Lima Silva, 31, e o vendedor Luís Vitor Nascimento, 30, também enfrentam o dilema de manter a filha, Alícia, de 3 anos, fresca e hidratada. “A gente tem bebido muita água e oferecido muita água para ela. Colocamos roupas mais leves nela, deixamos ela com pouca roupa ou com roupas mais folgadas. O ar do ventilador sai mais quente, muitas vezes, então, a molhamos um pouco para amenizar”, diz Rejane.

Luís Vitor conta que com a interrupção do fornecimento de água, que atingiu recentemente os bairros de Salvador, as atividades diárias ficaram ainda mais desafiadoras.

“O ventilador às vezes não dá conta, isso é fato. É tanto uso que acaba interferindo na conta de energia. A gente tem área verde próximo de casa, mas não dá conta, o calor está demais. Então abusamos do banho. A gente foi surpreendido alguns dias com a falta de água no bairro, que deixou a nossa rotina de banho e hidratação um pouco comprometida. Mais um desafio diante de tantos outros”.

Rejane e Luís Vitor também enfrentam o dilema de manter a filha Alícia fresca e hidratada – Acervo Pessoal

VOLTA ÀS AULAS E O DESAFIO DAS ALTAS TEMPERATURAS

Nas escolas, o cenário não é diferente. Gimenia de Cássia Marx, 58, professora da Escola Municipal Makota Valdina, localizada no bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador, relata salas de aula abafadas, sem ventilação adequada.

“Desde novembro estamos sentindo calor. Mesmo sendo uma escola nova, a parte arquitetônica não foi pensada nas altas temperaturas de Salvador. Os ventiladores não dão conta de 25 a 35 crianças dentro da sala de aula. O tecido da farda não é adequado para que as crianças fiquem confortáveis”, explica a professora.

Gimenia também compartilha suas preocupações com as turmas que permanecem nas escolas em período integral. “Em um calor muito forte, elas não se concentram, ficam inquietas e isso afeta na aprendizagem da criança”.

Apesar do desafio, a pedagoga explica que os professores seguem buscando estratégias para deixar o dia das crianças mais agradável.

“Aulas fora da sala, banho de mangueira nas crianças menores, algum lugar mais fresco para brincar um pouco com água. A questão é que a maioria das escolas não tem espaço externo, a minha escola é privilegiada por ter. É uma engenharia que não consegue pensar no calor, mas pensa em tirar a única árvore que tem na escola”.

A reportagem do Entre Becos entrou em contato com a Secretaria de Educação do Município para entender o cenário relatado na Escola Makota Valdina, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

RECOMENDAÇÕES MÉDICAS

Fernanda do Valle, médica da família e da comunidade, destaca que nos casos de altas temperaturas é importante estar alerta para os sinais de desidratação dos pequenos. “Crianças que ficam mais molinhas, que estão ingerindo pouca água, que não estão se alimentando direito e que estão fazendo pouco xixi, são sinais de alerta. Se não estão brincando ou estão muito sonolentas, é um forte sinal de desidratação, que é o que mais acomete as crianças nesse calor”.

A médica ressalta as dificuldades enfrentadas pelas crianças em relação aos espaços de lazer nas periferias.

“Geralmente, quando a criança chega ao médico, somos orientados a evitar a exposição ao sol. Porém, muitos pais não têm flexibilidade para escolher o horário ideal para brincadeiras. E quando encontram espaços disponíveis, muitas vezes são inadequados, estando muito quentes e tornando-se insalubres para as crianças brincarem”.

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Alimentação adequada, proteção contra os raios solares e cuidado redobrado com o mosquito Aedes aegypti são outras recomendações que precisam de atenção nesta época do ano.

“Muita água, frutas, folhas, verduras e alimentação mais leve, e protetor solar, se for possível. Nesse calor, uma coisa muito importante que a gente esquece, é o uso de repelente nas crianças. A curva de crescimento de casos de dengue está avançando muito rápido, é necessário ter um cuidado durante esse período”, alerta a médica.

Matéria publicada originalmente pelo Coletivo Entre Becos, com reportagem de Brenda Gomes, Fotos de Bruna Rocha e Edição de Cleber Arruda e Rosana Silva. Todo o material foi replicado com anuência dos autores.

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