O Rio de Janeiro viveu esta semana um novo capítulo da sua crise institucional: mais um governador preso, desta vez em pleno exercício do cargo. Luiz Fernando Pezão foi detido nesta quinta-feira (29), durante a Operação Boca de Lobo, uma das fases da Operação Lava Jato. A decisão judicial ocorreu após um delator apontar que ele recebia mesada de R$150 mil mensais quando ocupava a vice-governadoria na gestão Sérgio Cabral Filho, outro que também está preso. Em depoimento inicial à Polícia Federal, Pezão negou as acusações.
As ações de combate contra a corrupção estão atingindo diretamente diversos líderes do estado: além do atual governador e de seu padrinho eleitoral, os dois antecessores no cargo, Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, também sofrem com a Justiça, em processos diferentes. Neste ano, dois ex-presidentes da Assembleia Legislativa e dez deputados estão presos e/ou denunciados, assim como um ex-procurador-geral do Ministério Público e cinco dos seis conselheiros do Tribunal de Contas do Estado.
Diante este panorama, há a necessidade de refletir sobre todo o cenário político do Rio de Janeiro e os desafios que o governador eleito, Wilson Witzel, enfrentará a partir do dia 1º de janeiro de 2019. Para tratar do assunto, procuramos os cientistas políticos Guilherme Cavalhido, professor na Universidade Veiga de Almeida (UVA), que tratou mais do panorama geral, e Luis Augusto Campos, também professor no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj), que abordou a questão fluminense.
Segundo Cavalhido, a prisão de Luiz Fernando Pezão comprova que a cena política do Rio de Janeiro, atualmente, “é agonizante”. Campos, por sua vez, acrescenta que todo este contexto afeta duramente a imagem do estado, “a ponto de afastar possíveis investimentos”. Atualmente, o Rio está sob um acordo de recuperação fiscal, firmado em setembro de 2017 com o governo federal. O plano exige cortes de gastos e prevê um ajuste fiscal de R$ 63 bilhões até 2020.
Leia abaixo a entrevista completa:
Notícia Preta: O que significa essa prisão do Pezão às vésperas do novo governo assumir o estado?
Guilherme Cavalhido: Isso significa uma grande responsabilidade para o novo governador. Ele tem uma necessidade, quase uma obrigação, de implementar uma agenda anticorrupção. Porque ele foi eleito com essa expectativa de apreender e apoiar esse processo de estrutura de novas formas de movimento contra corrupção. A imagem política do grupo em torno de Sérgio Cabral está muito desgastada, Wilson Witzel tem que criar uma imagem política nova, porque só cabe a pessoa dele ser diferente e apresentar essa nova política. Mas isso é uma expectativa, Witzel é uma grande incógnita, não é possível saber como vai ser.
Luis Augusto Campos: Eu acho bastante temerária essa prisão. Não sou um defensor do Pezão, mas é preciso analisar a prisão de um governador em pleno exercício do poder e o envolvimento de uma outra instância governamental. É preciso lembrar que há denúncias antigas contra ele, mas que esperaram a eleição passar para isso acontecer.
Notícia Preta: Pezão é o quarto governador do Rio de Janeiro a ser preso nos últimos anos. Antes deles, Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e Rosinha Matheus foram presos, mas quando já não eram mais governadores do RJ. O que isso diz sobre o quadro político do estado?
GC: Agonizante. Mostra a desorganização da estrutura política do estado. E o fechamento absolutamente caótico de uma situação política que não deu certo. A eleição de Witzel é a tentativa da população para acabar com esse processo.
LAC: É preciso colocar isso numa perspectiva. O caso do Rio chama atenção, mas no Brasil há outros casos de ex-governadores e ex-políticos que foram presos. Essas ações refletem as mudanças políticas e jurídicas recentes, como a criação do estatuto da delação premiada.
Notícia Preta: Esta é a terceira vez que Pezão tem problemas com a Justiça: a primeira vez, em 2015, três meses após assumir seu segundo mandato, quando foi citado na delação premiada de Paulo Roberto Costa, mas o processo foi arquivado. Em 2017, ele teve seu mandato cassado pelo Tribunal Região Eleitoral do Rio (TRE-RJ) junto com seu vice, Francisco Dornelles, mas a decisão foi anulada. E agora, acabando preso. Por que só agora?
GC: Judicialmente falando, a Lava Jato trabalha com um processo de acumulação de provas significativas relacionadas a Pezão desde a primeira tentativa, mas agora, com a delação premiada das pessoas que faziam parte do entorno dele e do ex-governador Sérgio Cabral, as provas ficaram evidentes. Muitos deputados da Alerj que foram presos fizeram acusações fortes contra Pezão. A entrevista da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mostra que essa decisão partiu ao se perceber o governador como um grande recebedor de propina. Por isso a prisão foi decretada neste momento.
Notícia Preta: Como fica a imagem do Rio de Janeiro diante do Governo Federal e do mundo? Isso afeta decisões de possíveis investimentos?
GC: Afeta bastante. Muito do que está acontecendo hoje é causado por esse grupo político. Enquanto você não tiver sinalização de que a corrupção está diminuindo no estado, a imagem do Rio continuará afetada e com um grande pessimismo em seu entorno.
LAC: Sem dúvida. Afeta não só uma das principais fontes de renda do estado, que é o turismo, mas quase todas as empresas públicas e privadas que estão envolvidas no processo da Lava Jato têm escritório no Rio de Janeiro, o que atinge diretamente a economia local.
Notícia Preta: Neste cenário, que Rio de Janeiro é esse que Wilson Witzel pega no dia 1º de janeiro? Qual será o maior desafio político do novo governador?
CG: Terra arrasada. O novo governo terá que mostrar, desde o início, as soluções prometidas na campanha para o Rio de Janeiro, principalmente uma agenda anticorrupção. Não mais algo para o futuro, mas no presente.
LAC: O principal desafio do Witzel será realizar as promessas de campanha. Ele embarcou uma candidatura próxima a do Bolsonaro, prometendo resolver a situação da violência do Rio. O problema é que o estado tem mais de sete milhões de habitantes, há favelas com população maior que de municípios brasileiros. Só matar traficante não vai resolver a criminalidade. O principal desafio será tornar essas propostas factíveis, sem serem soluções mágicas, mas que tenham efeito. A princípio, esse processo ainda não começou.
Notícia Preta: Esta prisão fortalece a ideia de “renovação política” indicada pelos resultados do recente processo eleitoral?
GC: Sem dúvida. A prisão é um resultado direto disso. Mostra que recuperações podem acontecer.
NP: A partir do processo de prisões dos políticos mais poderosos das últimas décadas no Rio de Janeiro, é possível dizer que há uma redefinição do modelo de atuação política ou se trata de um processo de realocação de forças, com a manutenção do paradigma de ação?
CG: A princípio, é uma realocação de peças. Na política, nunca é um revolução, num primeiro momento. Porque o processo revolucionário só pode ser percebido com o tempo. Por isso, no momento, só é possível falar que é uma continuidade com novos atores.
Notícia Preta: É possível apontar quem são os atores políticos que “ganham” e os que “perdem” a partir da prisão de mais um governador do RJ, desta vez um que estava no exercício do cargo e no final do mandato?
GC: A prisão faz ele mesmo (Pezão) e o MDB serem completamente atingidos, mostra que a situação não estava restrita a Cabral. Em cima disso, as pessoas que fizeram parte deste governo também perdem. Eduardo Paes, por exemplo, perdeu a eleição em cima disso.
Notícia Preta: A operação Lava Jato atinge um governador em exercício semanas após seu principal símbolo (Sérgio Moro) ser anunciado Ministro da Justiça do novo governo federal. Que sinais esta ação aponta sobre o futuro do novo governo e da própria Operação?
CG: Sem dúvida nenhuma, as ações precisam ser rápidas porque a opinião pública deseja saber o que vai acontecer (no próximo governo), uma questão de mostrar velocidade nas ações e evitar entrar com uma imagem negativa.
Notícia Preta: No que essa série de prisões afeta o MDB? Nas eleições deste ano, já foi possível ver uma queda na quantidade de cadeiras pelo partido. A situação do Rio mancha ainda mais a legenda?
GC: Afeta fortemente. O cenário político nacional e estadual afetou negativamente a imagem do MDB (antigo PMDB), que agora irá focar nas eleições municipais. O futuro da legenda está na posição que ocupará no governo Jair Bolsonaro e, também, nas próximas eleições. É bom lembrar que o MDB não é um partido construído em cima de um projeto de País, ele é capilarizado. Por isso, dependendo de como for esse final de governo Michel Temer, a participação no próximo governo e as eleições, a legenda pode não demorar tanto para se refazer.
LAC: O partido teve perdas importantes, mas não está claro ainda qual vai ser o papel dele no próximo governo eleito. O MDB nunca foi um não foi um partido reconhecido por ter uma ideologia, então ele serve quase como um cartório para quem está entrando. Acho que essa prisão, a princípio, prejudica a imagem do próprio Pezão, mas não tanto a do partido. É possível que alguns colegas de legenda, inclusive, não critiquem essa detenção.