CCBB SP recebe exposição A.R.L. Vida e Obra de artista que transformou lixo em arte bruta

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A exposição “A.R.L. Vida e Obra“, em cartaz de 26 de junho a 19 de agosto, terá obras de Antônio Roseno de Lima, artista outsider descoberto no final da década de 1980 pelo professor doutor do Instituto de Artes da UNICAMP, Geraldo Porto, que também assina a curadoria da mostra. O fotógrafo e pintor tirou da dura realidade de favelado a inspiração para criar uma obra que é reflexo da arte bruta.

Apesar das condições em que vivia na favela Três Marias, em Campinas – SP (onde morou de 1962 até sua morte, em junho de 1998), Roseno expressava seus sonhos e observações do cotidiano através de suas pinturas, muitas vezes utilizando materiais improvisados encontrados no lixo: pedaços de latas, papelão, madeira e restos de esmalte sintético.

Peças da exposição “A.R.L. Vida e Obra” /Foto: Mateus_Baranovski

Quando gostava de algum desenho, recortava-o em latas de vários tamanhos para usar como modelo, além de outros materiais como lã, em épocas de frio. Seu barraco era sua tela, onde cores vibrantes e figuras contornadas em preto ganhavam vida, revelando uma poesia visual única. Nas obras, as diversas aspirações do artista são representadas, mas uma delas se repete em toda a sua arte: “Queria ser um passarinho para conhecer o mundo inteiro!

Com cores fortes, escrevia nos quadros: “Este desenho foi fundado em 1961“, referindo-se ao início de sua obra de desenho, pintura e fotografia, com um “professor espanhol“, em São Paulo. Mesmo sendo semianalfabeto, as palavras sempre fizeram parte de sua expressão poética, como signos herméticos, expostos respeitando a anterioridade das figuras e evidenciando desconhecimento das regras gramaticais.

Amigos e crianças da favela o ajudavam com a leitura e as anotações em um caderno, que eram fotocopiadas para serem coladas na parte de trás dos quadros. Os bilhetinhos carregados de informação com as mais diversas letras, avisavam sobre os materiais, processo de criação, execução, conservação da pintura e arrematavam: “Quem pegar esse desenho guarda com carinho. Pode lavar. Só não pode arranhar. Fica para filhos e netos. Tendo zelo, dura meio século.”

Impressionado pela singularidade da obra de Roseno, o curador Geraldo Porto conta que a primeira vez que viu seus quadros foi em uma exposição coletiva de artistas primitivistas no Centro de Convivência Cultural de Campinas, em 1988.

Naquele instante, tive a certeza de estar diante de um artista raro“. Ele acrescenta que o pintor se destacava da mediocridade “primitivista” idolatrada por colecionadores estrangeiros de arte ingênua e naif. Depois de conhecido, passou a ser “chamado pelos jornalistas de ‘pintor pop da favela’, porque seus quadros misturavam imagens, fotografias, propagandas e palavras como nos cartazes comerciais“, explica Porto, acrescentando que Antônio Roseno desconhecia não somente este, mas qualquer outro movimento artístico.

Depois das reportagens que o mostraram como favelado, analfabeto e doente, passou a escrever em seus quadros em letras garrafais: “Sou um homem muito inteligente“, no intuito de se livrar dessas imagens tão negativas.

Foi em 1991 que Geraldo fez a curadoria da primeira exposição individual de A.R.L., na galeria de arte contemporânea Casa Triângulo, de Ricardo Trevisan, em São Paulo. Logo após, uma televisão alemã fez uma matéria sobre Roseno, veiculada na Europa durante a exposição Documenta de Kassel. A Folha de São Paulo recomendou sua mostra como uma das melhores da temporada. Seus trabalhos hoje figuram em publicações de renome mundial. Porém, pobre e doente, morreu em 1998, quando uma boa parte de seus trabalhos já estava em coleções de arte no Brasil e no exterior. Infelizmente, outra grande parte foi jogada no lixão pelo caminhão da prefeitura, chamado pela família para limpar a casa.

Assim como Arthur Bispo do Rosário, A.R.L. faz parte desses “artistas virgens” ou “outsiders“, autores dessa “arte incomum” que, em alguns casos, são frutos de surtos psicóticos. Jean Dubuffet (pintor francês, primeiro teórico da arte bruta), por exemplo, refere-se a eles como “indivíduos sem condicionamento cultural, sem assistência profissional e sem conhecimento das tradições e da história da arte, que realizam uma operação artística quimicamente pura“. Para Geraldo Porto, Antônio Roseno “é sim um artista outsider, pela originalidade do seu processo criativo. Sua criatividade desconhecia limites entre fotografar, pintar ou escrever. Analfabeto, ele escrevia; fotógrafo, ele pintava; pintor, ele tecia. Pintava ‘para não ficar doente’. Perguntei-lhe por que pintava tantas vacas: ‘Porque eu gosto muito de leite’, ele me respondeu“.

Ao patrocinar este projeto, o Banco do Brasil e a BB Asset reafirmam o seu apoio às artes plásticas e à brasilidade, além de valorizar projetos que promovam trocas significativas com o público e ofereçam caminhos para compreender a construção contemporânea de identidades.

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