Nos últimos 10 anos, o Brasil enfrentou um cenário crescente de violência em instituições de ensino, com um registro de pico de agressões e ataques à comunidade escolar entre 2022 e 2023, de acordo com dados divulgados pela Fapesp, divulgados nesta segunda-feira (14). De 2013 a 2023, a violência no ambiente escolar mais que triplicou, saltando de 3.771 casos no primeiro ano para 13.117 no último do estudo, um aumento de quase 250%.
O estudo analisou dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), vinculado ao Ministério da Saúde e a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Atlas da violência de 2024, que apontaram o crescimento de casos de estudantes que relataram ser vítimas de bullying. Em 2009, esse percentual era de 30,9% e, dez anos depois, o número subiu para 40,5% em 2019.

Abandono escolar em decorrência de violências
O economista e pesquisador Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que além do crescimento nos casos de bullying, também aumentou a proporção de estudantes do ensino fundamental que abandonaram a escola por se sentirem inseguros nesses espaços. O número mais que dobrou naquele ano, chegando a 11,4%, em comparação aos 5,4% registrados em 2009. Cerqueira destacou que a radicalização política iniciada em 2013 afetou a maneira como as pessoas lidam com o outro.
Segundo ele, em entrevista à Revista Fapesp, as declarações das figuras públicas que relativizam a violência contribuíram para que os discursos agressivos e intolerantes fossem naturalizados e, consequentemente, afetassem de forma negativa a convivência escolar.
O economista também apontou o crescimento da violência doméstica contra crianças e jovens no período. De acordo com o Atlas da violência, 9,5% dos estudantes do ensino fundamental das capitais brasileiras afirmaram ter sido agredidos por algum familiar no período dos últimos 30 dias em 2009 e, em 2019, o percentual subiu para 16,1%. O pesquisador afirma que “a violência e a negligência sofridas em casa impactam o ambiente escolar. As agressões funcionam como forma de defesa e reafirmação, ainda que invertida, da autoestima do jovem”.

Não efetividade de políticas de inclusão
O estudo considerou que a desvalorização da carreira docente, a precariedade da infraestrutura escolar e a descontinuidade das políticas educacionais também favorecem o contexto de violência nesses espaços. Segundo a psicóloga Angela Soligo e pesquisadora sobre violência e preconceitos na escola, foram identificados conteúdos preconceituosos no currículo, material didático e nas relações pedagógicas, que contribuem para o agravamento dos casos nesses espaços.
A pesquisadora afirmou que as leis 10.639 de 2023 e 11.645 de 2008, que obrigam a inclusão da história da África e dos povos indígenas no ensino, muitas vezes não são respeitadas. Para ela, “a representação equivocada de certos grupos sociais em materiais didáticos acaba por perpetuar preconceitos”. Segundo a pesquisa, “os estudantes que vivenciam experiências de racismo, machismo e homofobia nem sempre são acolhidos pela gestão escolar”.
A Revista reuniu dados do psicólogo e pesquisador João Galvão Bacchetto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que coletou 63 mil respostas de diretores de escolas. Entre os resultados, o levantamento mostrou que 40% das unidades de ensino não registravam os incidentes, enquanto 20% relataram apenas episódios pontuais de baixa gravidade. Para o pesquisador, esses dados demonstram a desproporção da relação entre o sofrimento dos alunos e o reconhecimento da gestão: “A violência também é uma questão de percepção. Muitas escolas não sabem como reconhecê-la”.
Sofrimentos psíquicos crescentes entre estudantes
Entre outros tópicos que envolvem o aumento da violência no ambiente escolar, compilados pela Revista Fapesp, o estudo utilizou dados coletados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) pela pedagoga Luciene Regina Paulino Tognetta.
Ela identificou que entre 2019 e 2023, ocorrências relacionadas aos sofrimentos psíquicos de alunos da rede estadual saltou de 117 para 3,1 mil casos. Naquele período, suicídios entre estudantes subiram de 7 para 67 e as tentativas de 9 para 325.
Ela alerta que “a questão central não é apenas a violência que explode nas escolas, mas aquela que implode os sujeitos, que têm levado adolescentes ao isolamento social e à busca por grupos extremistas que atuam na internet. Se a escola não os acolher, alguém o fará”. Tognetta destaca que a pandemia de Covid-19 afetou negativamente a saúde mental dos estudantes e seus impactos podem ser sentidos até os dias de hoje.
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