“Ultramar” reúne trabalhos inéditos, entre pinturas, cianotipias, instalações e colagens a partir da profunda pesquisa da artista sobre a cor azul e a sua função na linguagem e na construção social
Fruto da parceria entre a Casa Museu Eva Klabin e o Instituto Inclusartiz, o programa de residência artística “ÉDEN” chega a sua segunda edição com a exposição “Ultramar”, da artista capixaba Kika Carvalho. A individual, foi aberta ao público na Casa Museu Eva Klabin na última quinta-feira (07),, reúne cerca de 20 obras — incluindo trabalhos inéditos —, entre pinturas, cianotipias, instalações e colagens desenvolvidas a partir da profunda pesquisa da artista sobre a cor azul e a sua função nas relações materiais, históricas e sociais ao longo dos séculos.
A curadoria é de Lucas Albuquerque. Para ele, a oportunidade de trabalhar junto ao acervo da coleção da Casa Museu Eva Klabin permite pensar projetos curatoriais e de pesquisa capazes de deslocar a produção contemporânea para outros lugares de significação, ampliando o diálogo entre tempos e a fortuna crítica dos artistas convidados.
“A escolha do trabalho de Kika se dá justamente nesse lugar: possibilitar a revelação de dados inerentes ao seu interesse de pesquisa poética que por vezes se vê sublimado pela velocidade do cotidiano. Nesse sentido, o período de pesquisa junto à coleção tão rica instaura outros tempos, tanto de produção como de percepção, que a artista, por sua vez, visa a subverter em sua ocupação. Promover novas leituras não só do presente, mas também do passado, em um pensamento espiralar”, revela Lucas Albuquerque, que também é curador do programa de residências do Inclusartiz.
Natural de Vitória (ES), Kika Carvalho elegeu o azul como objeto de sua pesquisa, ora o relacionando com as paisagens da cidade-ilha onde nasceu e viveu boa parte de sua vida, ora com aspectos da história da pintura. Fazendo uso deste dado afetivo, Kika incorpora o azul como dado de uma memória fotográfica longínqua, que interpela não apenas suas lembranças pessoais como mulher negra, mas também a história brasileira e suas relações além-mar, na grande Kalunga — palavra da língua banto que significa lugar sagrado, de proteção.
O conjunto de obras selecionado pela curadoria para integrar “Ultramar” conta com trabalhos profundamente atravessados pela vivência da artista em Luanda, capital da Angola, onde participou de uma residência artística em 2022, sendo este o seu primeiro atravessamento Atlântico. Para esta exposição, Kika também preparou obras inéditas que refletem suas experimentações em outras técnicas para além da pintura, como a cianotipia e processos de fotografia analógica. Estes trabalhos propõem ainda um confronto entre a utilização simbólica da cor azul no Egito antigo e sua posterior valorização na imagem sacra cristã, por meio do diálogo direto com itens presentes no acervo da Casa Museu Eva Klabin.
“Eu produzi trabalhos específicos para esta exposição porque acredito que essa é uma oportunidade única de dialogar face a face com peças de uma cultura que contribuiu muito para a minha pesquisa e para o meu fascínio pela cor azul. É também uma ocasião oportuna para discutir sobre a história da arte e sobre a guerra de narrativas que cerca o deslocamento do Egito do continente africano. Quando pensamos nos feitos dos antigos egípcios, essa história se desloca daquele continente ou até mesmo do Planeta Terra, abrindo a possibilidade de extraterrestres terem contribuído com grandes feitos. Algo que me fascina muito”, conclui a artista.
Idealizado pelo Instituto Inclusartiz e realizado na Casa Museu Eva Klabin, o programa “ÉDEN” tem como objetivo investigar a casa e a coleção resultante das oito décadas de colecionismo de Eva Klabin (1903-1991). Contando com um dos mais importantes acervos de arte clássica do Brasil, que abrange um arco temporal de quase 50 séculos, a união das duas instituições se funda no desejo de convidar artistas contemporâneos para promover novas frequências dentro da casa e da coleção por meio da criação de trabalhos inéditos, feitos a partir da pesquisa realizada em conjunto com as equipes de curadoria e museologia. A primeira edição do programa contou com a participação da artista carioca Ayla Tavares e culminou na exposição “USTÃO”, realizada entre maio e julho de 2023, também sob a curadoria de Lucas Albuquerque.
Vitória, ES, 1992. Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ. Graduada em Artes Visuais (Licenciatura) pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Sua prática artística se materializa em diferentes suportes, técnicas e escalas, com uma pesquisa atenta em torno da cor azul, que pode estar relacionada tanto com as paisagens da cidade-ilha onde nasceu, como com aspectos da história da pintura. Sua obra é atravessada por questões ultramarinas de presença e ausência, tão caras à diáspora Atlântica. Sua produção também é entrecruzada por algumas experiências, como a prática de pintura urbana e a arte educação; além da participação em programas de residências artísticas, como: Angola AIR – Espaço Luanda Arte (2022); Outra Margem (2021); Vila Sul – Instituto Goethe de Salvador (2020); e Malungas (2018), com a artista brasileira Rosana Paulino.
Sobre Lucas Albuquerque
São João de Meriti, RJ, 1996. Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ. Bacharel em História da Arte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e mestre em Processos Artísticos pelo PPGARTES/ UERJ. É curador independente e pesquisador, tendo sido curador-organizador da Galeria Aymoré (Rio de Janeiro). Atualmente, é também curador do programa de residências artísticas do Instituto Inclusartiz, estabelecendo conexões com artistas, curadores e pesquisadores entre o Brasil, Reino Unido, Holanda, Espanha e França. Realizou a curadoria das exposições “Muamba: Brazilian Traces of Movement” (2023), na Ruby Cruel (Londres, U.K.); “O Sagrado na Amazônia” (2023), com Paulo Herkenhoff, e “Gamboa: nossos caminhos não se cruzaram por acaso” (2022), no Instituto Inclusartiz (RJ); “USTÃO” (2023), na Casa Museu Eva Klabin (RJ); “Futuração” (2021); e “Bordas da ausência” (2019), na Galeria Aymoré (RJ), além de outras individuais e coletivas.
O Instituto Inclusartiz
Fundado em 1997 por Frances Reynolds, o Instituto Inclusartiz é uma organização cultural não governamental sem fins lucrativos sediada no Rio de Janeiro, que tem como ambição promover a arte contemporânea global por meio da formação de artistas, curadores e pesquisadores em diversas etapas de suas carreiras. Desde 2021, o instituto conta com um centro cultural na Praça da Harmonia, na Gamboa, região portuária do Rio de Janeiro. O polo cultural e criativo abriga um conjunto de iniciativas nas áreas da arte, educação e sustentabilidade, com uma programação orientada a partir de núcleos diversos: residências artísticas; educativo; comunitário; expositivo; pesquisa e publicações; sustentabilidade e engajamento social. O espaço fica aberto ao público de terça-feira a domingo, das 11h às 18h e tem entrada franca. Mais informações em https://inclusartiz.org/
A Casa Museu Eva Klabin
A Casa Museu Eva Klabin abriga a coleção reunida por Eva Klabin, um dos mais importantes acervos de arte clássica dos museus brasileiros, contando com mais de duas mil peças que cobrem um arco de tempo de quase 50 séculos, do Egito Antigo ao Impressionismo. A coleção está em exposição permanente e aberta ao público na Casa Museu instalada na residência em que a colecionadora viveu por mais de 30 anos e abrange pinturas, esculturas, mobiliário e objetos de arte decorativa. A Casa que abriga o Museu foi uma das primeiras residências da então recém-urbanizada Lagoa Rodrigo de Freitas, e desde a sua abertura ao público, em 1995, tem oferecido uma programação cultural variada, que inclui, além das visitas ao acervo, atividades como concertos e shows, oficinas, cursos, conferências e exposições temporárias. Mais informações em http://evaklabin.org.br/
Exposição: Ultramar
Artista: Kika Carvalho
Curadoria: Lucas Albuquerque
Local: Casa Museu Eva Klabin
Av. Epitácio Pessoa, 2480 | Lagoa | RJ | (21) 3202-8550
Abertura: quinta-feira, 7 de dezembro, das 18h às 21h
Período: 7 de dezembro de 2023 a 25 de fevereiro de 2024
Visitação: quarta a domingo: 14h às 18h, última entrada às 17h30
Livre e gratuito
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