“Lugar de fala, racismo estrutural, branquitude, diversidade, vagas afirmativas.” Todos esses assuntos estiveram em alta especialmente após maio de 2020, com o movimento Black Lives Matter e a indignação gerada pela morte de George Floyd, que transcenderam as fronteiras dos Estados Unidos, levando a protestos e acertos de contas globais com o racismo. Foi um momento em que o mundo parecia disposto a olhar de frente para desigualdades históricas. Mas, cinco anos depois, eu me pergunto: o boom da pauta racial serviu para quê?
O mercado rapidamente entendeu que aquele também era um movimento econômico. Todo fenômeno social se reflete no consumo e nos valores empresariais. Sempre foi e sempre será assim. Ao perceberem que diversidade vendia, muitas corporações criaram campanhas publicitárias antirracistas, abriram processos seletivos afirmativos e “assumiram” compromissos de inclusão. Não porque, de fato, estivessem engajadas em mudar estruturas, mas porque sabiam que a pauta gerava reputação e lucro.
Entre 2020 e 2023, assistimos a um período de grande visibilidade. Profissionais negros passaram a ser convidados para palestras, consultorias e projetos; cursos sobre racismo estrutural se multiplicara. Lugar de fala era uma febre! Ninguém tinha o seu! A mídia negra também se fortaleceu. O Notícia Preta, por exemplo, cresceu em audiência, recebeu mais publicidade, ampliou equipe e lançou a Escola de Comunicação Antirracista. Mas sabíamos que o mercado é cíclico. Nos estruturamos porque tínhamos certeza de que uma hora essa onda iria baixar.

E baixou. A fonte secou. Muitas empresas negras que nasceram nesse período fecharam as portas. Não porque fossem frágeis, mas porque o sistema é desenhado para nos manter na margem. Continuamos sem ocupar espaços estratégicos de poder, sem acesso a grandes investimentos, sem presença nos conselhos que decidem o futuro do país. Quem sempre esteve no topo continuou no topo.
Esse processo revelou um ponto crucial: não há transformação social sem ascensão de classe. E ascensão de classe não é apenas aumento de renda, mas acesso a poder. Nunca foi apenas sobre dinheiro… é sobre poder. Poder político, econômico, cultural. No Brasil, esse poder segue concentrado em poucas famílias brancas, herdeiras de elites coloniais que acumularam riqueza com a escravidão e hoje controlam conglomerados e startups. Dinheiro é hereditário em uma sociedade que nunca distribuiu oportunidades.
Lembro bem das centenas de vagas afirmativas que divulgamos no Notícia Preta. Posso garantir: mais de 90% eram destinadas a programas de trainee. E pergunto: onde estão, hoje, os CEOs negros? Onde estão os executivos em cargos de liderança? O boom trouxe representatividade no discurso e em algumas campanhas, mas não garantiu acesso real às instâncias de decisão.
Ao mesmo tempo, cresceu a reação conservadora. O termo woke, que originalmente significava consciência social, foi distorcido e passou a ser usado de forma pejorativa. Movimentos políticos reacionários, no Brasil e no mundo, passaram a acusar iniciativas de diversidade de “radicalismo” ou “modismo”. Essa reação freou avanços e mostrou como as supostas conquistas ainda são frágeis.
O boom da pauta racial serviu, entretanto, como um espelho. Ele mostrou que, apesar da visibilidade temporária, seguimos fora do centro do poder. Serviu para escancarar que negócios liderados por negros ainda são tratados como “projetos” e não como empresas sólidas. Serviu para evidenciar que a desigualdade no Brasil não é apenas financeira: é histórica, estrutural, geracional.
O desafio que fica é não deixar que a pauta seja apenas moda. O mercado pode ser cíclico, mas a luta antirracista não pode ser. Precisamos de mais do que campanhas publicitárias coloridas ou vagas de trainee. Precisamos de políticas públicas, financiamento justo, apoio institucional e, sobretudo, de negros em espaços de decisão. Porque a representatividade por si só não é importante, sem equidade não há transformação social possível.
Mas guardem essa palavra: poder. Por que no afinal, é tudo sobre poder!
LEIA TAMBÉM: Série “Capoeiras” transforma sonho de Raphael Logam em celebração da ancestralidade negra