Me lembro ainda hoje da sensação de admiração e gratidão em meu primeiro encontro com o jornalista, advogado e deputado constituinte, Carlos Alberto Caó de Oliveira, político que nos deixou em 2018. Era uma entrevista especial para falar da lei que tornou o racismo crime inafiançável e imprescritível. Eu estava absolutamente embevecida para ouvir uma história heroica de como ele conseguira articular com deputados que negavam o racismo e exaltavam a nossa “democracia racial” e convencê-los da necessidade de criminalizar a prática racista. Ao passo que o indagava sobre aqueles dias, Caó olhou para mim, soltou um respiro, cruzou as mãos e me disse, com muita franqueza, que a Assembleia Constituinte foi uma grande correria, com deputados “se batendo” e que ele, quando viu aquela algazarra, redigiu o texto que seria o inciso XLII do artigo quinto da constituição. Colocou lá, ficou quieto e muitos sequer sabiam do que se tratava.
Leio com apreensão a quantidade de investidas contra políticas públicas que amenizam o sofrimento dos mais pobres, quase todos pretos, e tentam reparar, minimamente, as monstruosidades históricas que nos deixou os mais de trezentos anos de escravidão. Neste vai e vem “democrático”, as cotas raciais estão sempre no topo, brilhando na categoria “incomodo sempre”. E as justificativas não mudaram muito do tempo em que elas nem existiam, do tempo em que se tinha um único negro eleito representando a diversidade brasileira nos espaços de poder. O que também não mudou muito.
Tento revisitar biografias de luta, como a de Carlos Alberto Caó e Adbias Nascimento. Trago em meu corpo, tatuado, um Sankofa, um adinkra que simboliza o resgate ao passado. Sankofa é uma ave migratória que consegue voar para frente e olhar para trás. Penso que teremos que encontrar a perspicácia de Caó e a coragem de Abdias. Ainda sobre Sankofa, diz-se: “não é nenhum tabu retornar e pegar o que se esqueceu. Sempre se pode corrigir os erros.” É um convite. Vamos?