“Torcida de traficantes”: após anúncio de estádio flamenguistas recebem ofensas racistas

1714322660084-1.jpg

Após o anúncio da prefeitura do Rio de Janeiro sobre a desapropriação de um terreno onde deve ser o estádio do Flamengo, a torcida rubro-negra começou a receber uma série de ataques racistas nas redes sociais. Uma delas dizia que essa é uma “torcida de traficantes” e desejava que o estádio “desabasse”.

Em entrevista ao Notícia Preta, o historiador Bruno Pagano que pesquisa a história do esporte, os ataques racistas ao Flamengo estão inseridos em um contexto que não vem de agora. Para ele, os flamenguistas sofrem com esses tipos de ataques e preconceito social nas últimas décadas, principalmente a partir de sua popularização como clube de massa.

O historiador diz que a capilaridade construída pelo Flamengo, que tem 46,5 milhões de torcedores segundo a Atlas Intel, faz o clube ter representantes das camadas mais abastadas, e também das mais pobres do Rio de Janeiro e do Brasil.

Torcida flamenguista durante jogo no Maracanã /Foto: Paula Reis – Flamengo

“O Flamengo passou a ser associado à favela, à periferia, e ressignificou esses ataques, que vêm em forma de preconceito, como manifestações da pluralidade da sua torcida e de orgulho por ser um representante de um futebol popular. Hoje a torcida do Flamengo canta “festa na favela” a plenos pulmões, respondendo um cântico que vinha das torcidas rivais e que tinha o objetivo de atacar a torcida. Como se fosse um problema vir da favela”, disse.

Entre as postagens do X (antigo Twitter) com ofensas aos torcedores, estão: “Que esse novo estádio desabe e mate boa parte dessa torcida de traficantes”, dizia uma publicação. “Já ouvi falar que tava fazendo há anos atrás *** pra lá mulambo, teu estádio é a favela cheia de traficante seu otário, nem estádio tem e tá querendo dos outros”, dizia outra postagem.

De acordo com Dicionário Online a palavra “mulambo” significa: Farrapo gasto, sujo; molambo. Durante muito tempo as torcidas rivais usaram a palavra em músicas para se referirem aos flamenguistas.

Uma das publicações ofensivas direcionadas aos flamenguistas /Foto: Reprodução X

Segundo o historiador que também desenvolveu projetos como a Galeria Virtual dos Camisas Negras, o famoso time do Vasco que foi campeão em 1923 com jogadores negros e operários, o racismo e o preconceito social não são problemas exclusivos do esporte. O discurso de ódio está presente em todos os setores da sociedade, e no futebol isso é apenas reproduzido, de fora pra dentro, segundo ele.

“O que explica, por exemplo, o fato de que todos os clubes têm torcedores com maior ou menor poder aquisitivo, e nem por isso os ataques racistas e preconceituosos deixam de fazer parte do cartel de “xingamentos clubistas” das torcidas. Em outras palavras, Vasco, Fluminense e Botafogo também tem milhares de torcedores que moram em comunidade, e que nem por isso deixaram de atacar o Flamengo como “clube de favela” nas últimas décadas. É preciso perceber que o racismo e o preconceito social tem dimensões estruturais, fazendo com que, muitas vezes, um torcedor de favela se utilize do mesmo discursivo opressivo que sofre para atacar outros clubes”, explicou.

Projeto do estádio do Flamengo no terreno do Gasômetro – Foto: divulgação.

Para ele os casos do Vasco e do Flamengo são parecidos de alguma forma, sendo os clubes mais populares do Rio de Janeiro, que historicamente vem sofrendo com ataques preconceituosos. No caso do Vasco, a instituição se revoltou contra o futebol aristocrático dos grandes clubes nos anos 20, com os Camisas Negras, e até os dias atuais vem sofrendo com ataques racistas e de preconceito social, seja com o revisionismo direcionado a história dos Camisas Negras, seja pela proximidade do Vasco e de São Januário com a comunidade da Barreira do Vasco e demais comunidades próximas ao estádio.

Em agosto do ano passado o Vasco teve seu estádio interditado, e os torcedores protestaram contra a situação. “São Januário interditado por racismo e elitismo”, escreveu torcedora à época.

O terreno do Gasômetro que será construído o estádio flamenguista fica próximo a Rodoviária Novo Rio, na Zona Portuária. O Flamengo negociava com a Caixa Econômica Federal, que geria um fundo de investimentos privados e era dono do terreno, mas diante do impasse o prefeito Eduardo Paes publicou em Diário Oficial uma desapropriação por leilão em hasta pública. O Flamengo deve desembolsar cerca de R$150 milhões para aquisição do terreno de 87 mil km².

Racismo no futebol

Para Bruno, pela perspectiva institucional, clubes e federações precisam se unir para pensar medidas coletivas e mais rigorosas. Ele também aponta que sejam aplicadas com seriedade, para que não apenas cessem as mensagens de ódio sobre o estádio do Flamengo, como também todos os tipos de discurso de ódio, punindo exemplarmente esses casos dentro do microcosmo futebolístico.

O historiador diz que os projetos de conscientização devem caminhar lado a lado com as punições, e a tolerância com esses tipos de crime, que precisam diminuir drasticamente. Algo que está além da capacidade dos clubes é a regulamentação da internet, que ajudaria a diminuir os crimes cibernéticos praticados.

“Pela perspectiva das massas, acredito que quando a torcida do Flamengo passa a cantar “festa na favela” ou quando a torcida do Vasco assina um manifesto se comprometendo com o combate à homofobia e transfobia, estamos avançando no tema. Obviamente ainda é muito pouco, mas são medidas importantes que têm o poder de influenciar a cultura e a identidade clubística de cada pavilhão, acrescendo um componente educacional muito bacana ao esporte, que historicamente traz esse poder de transformação da sociedade”, completou.

Leia: Após STF descriminalizar porte da maconha, Lira cria comissão para analisar PEC das Drogas

Deixe uma resposta

scroll to top