“A Lei de Cotas é um resgate histórico e social”, afirma cientista política

Lei de cotas

as leis de cotas são reparações históricas, segundo cientista social

Lei de Cotas foi instituída no ano de 2012, ainda durante o governo Dilma Rousseff

Por Ítalo Oliveira e Milene Grais Mendonça

Em uma pesquisa intitulada Ação Afirmativa e População Negra na Educação Superior: Acesso e Perfil Discente, realizada pela pesquisadora Tatiana Dias Silva, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que após a Lei de Cotas (12.711/2012), houve um avanço de 19,5% para 35,3% na inserção de pessoas negras dentro das graduações de ensino superior, e de 13,3% para 24,9% em pós-graduações, totalizando um aumento de 44,7% para 50,9% da ocupação de pessoas negras nesses espaços na última década.

A reitoria anunciou o risco de fechamento da unidade em maio deste ano – Foto: Divulgação

A Lei de Cotas, sancionada em 2013, trouxe para o cenário político a intenção de corrigir disparidades de raça/cor dentro do ensino superior, da qual anterior aos anos 2010 apresentava uma porcentagem de 31,5% da população negra dentro das universidades públicas, enquanto a branca, ocupava 67,0%, de acordo com a pesquisa do Ipea.

Em entrevista ao Notícia Preta, a Cientista Política, Juliana Silva fala da importância da aplicação da Lei de Cotas como um “resgate histórico e social” para a população negra brasileira. “A lei de cotas tem uma importância ímpar para a reparação histórica e nivelamento social”, explica.

Juliana Silva ressalta a importância da Lei de Cotas para o acesso de pessoas negras às universidades públicas – Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019, a população brasileira é de 56,2% de pessoas pretas e 1,1% de indígenas, porém, essa população ocupa somente 38,15% do espaço universitário sendo 61,85% brancos. Conforme Juliana Silva, esses dados mostram a vertente analítica da falta de investimento no ensino básico, pois, estudantes negros, em sua maioria, são frutos das escolas públicas. “E estas escolas não possuem investimento, acarretando em um baixo nível de aprendizado, dificultando o acesso desses à faculdade, tanto particular quanto pública”, concluiu. Ainda de acordo com Juliana, o número de pretos ingressantes no ensino superior em instituições públicas foi alterado somente em 2019, seis anos depois da sanção da Lei de Cotas, em 2013.

O desmonte às universidade públicas

Com a redução de verbas destinadas à educação através da Lei Orçamentária de 2021, algumas instituições como a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foram impactadas diretamente. Com isso, a UFRJ anunciou, no dia 6 de maio, pela reitora Denise Pires de Carvalho, o fechamento da universidade devido à “incapacidade de pagamento de contas de segurança, limpeza, eletricidade e água”

O Notícia Preta conversou com Felipe Braz, 22 anos, morador da comunidade do Cordovil, Zona Norte do Rio de Janeiro e estudante de Comunicação Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ele, ficou sabendo do fechamento da unidade pelas redes sociais e não de forma oficial, pela UFRJ. Ele disse também que, em primeiro momento, não acreditou na notícia, mas depois de ver a veracidade da informação, surgiu alguns questionamentos. “De qual forma eu e os meus dariam continuidade aos seus estudos já que nenhum de nós têm ‘grana’ pra pagar uma universidade particular? Afinal, eu estudo em uma universidade pública não por ‘questão de status’, mas porque era a única opção que eu tinha, ou era“, lamentou. 

Felipe Braz é aluno do curso de Comunicação social na UFRJ – Foto: Morani Àárò

As aulas na UFRJ ficaram 6 meses paradas devido a pandemia do novo Coronavírus, com isso, ocorreu atraso equivalente a um semestre nos cursos. Felipe conta que, no retorno das aulas, em setembro de 2020, muitos alunos não tinham a infraestrutura necessária para acompanhar as aulas virtualmente e as bolsas e ajuda de custo disponibilizados pela Pró-reitoria da universidade não foram suficientes, em número de bolsas e valor. Ao ser questionado sobre a importância das Cotas para ele e as comunidades, Braz disse: “determinados grupos da sociedade foram historicamente discriminados. As ações afirmativas, direito conquistado através da luta dos movimentos negros e sociais, busca colocar esses grupos à par de igualdade. […] Acredito que as cotas são extremamente importantes para que as universidades tenham cada vez mais pessoas pretas, pardas e indígenas”, afirma.

Ainda de acordo com Felipe, as universidades, assim como as cidades, não foram pensadas para pessoas negras, LGBTQIA+ e periféricas como ele, estar ocupando esse lugar, é lutar contra o sistema e o latente racismo epistêmico presente nas instituições de ensino. “Da mesma forma, é extremamente simbólico representar a luta dos ancestrais os quais lutaram para nós, pretos e pretas ocuparem esses espaços das universidades públicas no Brasil”, conclui o estudante. 

O movimento estudantil nas universidades públicas

O movimento estudantil foi e é responsável por avanços de inclusão e acessibilidade, a  Reserva de Vagas é um exemplo. Após muita luta, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), juntamente com o movimento negro, em agosto de 2012, conquistaram a destinação de 50% das vagas para universitários de baixa renda, dando um passo para a democratização do acesso à universidade. 

O diretor da União Nacional dos Estudantes do Rio Grande do Sul (UEE/RS), e também estudante do curso de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Airton Silva, 25 anos, falou sobre como funciona a organização do movimento estudantil. “O movimento estudantil cumpre um papel fundamental nas universidades, seja na representação dos estudantes, como também em defesa da educação e do Brasil. Contribuímos no debate sobre assistência estudantil, pela ampliação das vagas e popularização das universidades, pela autonomia universitária”, explicou.

Airton Silva é diretor da União Nacional dos Estudantes do Rio Grande do Sul (UEE/RS) – Foto: Arquivo Pessoal

Devido aos cortes que as universidades públicas estão passando, Airton conta como tem se desempenhado o papel do movimento estudantil neste cenário. O movimento estudantil tem um compromisso histórico em defesa das universidades públicas. Atualmente, travamos uma intensa batalha contra os cortes na educação e contra as ações do governo federal que atacam e desmontam as universidades e institutos federais”, lamenta.

Conforme o estudante, “o governo federal chega a ser mais letal que o vírus’, denunciando sua indignação por precisar organizar lutas em meio ao colapso sanitário, como foi o caso do grande ato do dia 29 de maio de 2021. Airton afirmou a necessidade de realizar estas manifestações para “denunciar essas medidas” de ameaça a um retrocesso do acesso às universidades públicas.

O retrocesso educacional da população negra com o fechamento das universidades públicas

Segundo o IBGE, entre 2010 a 2019, a inserção das cotas raciais nas universidades fez com que aumentasse em 400% a presença de pessoas negras dentro delas, este número expressivo e positivo tende a ser afetado devido aos cortes de verba das universidades públicas. A cientista Juliana explica o porquê. “As cotas existem apenas nas universidades públicas e com o possível fechamento delas por cortes orçamentários, a inserção de pessoas negras no Ensino Superior pode ter um retrocesso. A universidade é a porta de entrada para a ascensão social e profissional de pessoas e muitas pessoas negras são as primeiras da família a entrar numa faculdade por meio da política de cotas. Sem elas, a inserção de pessoas negras no ensino superior sofrerá um freio”, comenta.

A cientista afirma que este descaso com a educação ocasionará um “desastre” e que a população negra será a mais afetada. “É essa trajetória histórica de sequestro de pessoas de seus países e posterior abandono destes sem reparação que faz com que a maioria da população preta esteja nas classes mais pobres e sem escolaridade. Com o FIES sendo reduzido e o PROUNI sumindo, o fechamento das federais é um desastre. Isso vai acarretar na redução de ingresso ao ensino superior, sobretudo da população negra”, finalizou.

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