A apresentação aconteceu nos dias 9, 10 e 11 de setembro, no Teatro Metrópole, em Taubaté. O espetáculo é uma ação afirmativa coordenada pelo coletivo Ubuntu Brasileiro que reuniu um elenco inteiramente negro, com artistas de diversas regiões do país, em uma montagem voltada para o protagonismo preto da ópera Gianni Schicci, de Giacomo Puccini.
De modo que a obra é uma ópera cômica e conta a história de uma briga familiar causada por herança. A direção cênica é de Felipe Venâncio com direção musical do maestro Cesar Pimenta, regente da Orquestra Sinfônica Jovem de Taubaté (Osita). Além das apresentações no teatro o grupo discutiu a presença do negro na arte e na educação em uma mesa redonda na rede municipal de ensino.
De acordo com a produtora cultural Mere Ribeiro, a montagem é resultado de 3 anos de trabalho e pesquisa e do financiamento do Programa de Ação Cultural de São Paulo (ProAc). “Nós propomos um elenco 100% negro, coisa que ainda é inédita, infelizmente, apesar de 54% da população brasileira ser composta por pardos e pretos. É um prazer gigantesco realizar um projeto desses. Agradecemos muito por estar em um espaço que nascemos para estar, nesse caso, no palco”, afirma a produtora.
Segundo Mere, a ideia é que a produção seja apresentada em outros lugares, por isso algumas propostas foram apresentadas a prefeituras e ao estado. “É um prazer gigantesco realizar um projeto desses. Uma ação afirmativa antirracista efetiva para mostrar que o lugar do negro é onde ele quiser realizar seu trabalho, com toda honra e respeito que todo ser humano merece. Nós agradecemos muito por estar em um espaço que nascemos para estar, nesse caso, no palco”, comenta.
Elenco completamente negro é uma tentativa de romper estigmas
A cantora lírica Edna D’Oliveira Santana, acredita que a importância do espetáculo se dá não só através da visibilidade para esses cantores, mas como forma de mostrar ao universo do teatro lírico que ópera não tem cor. “Podemos fazer qualquer personagem independente da nossa cor. Como tem uma tradição europeia ficou esse estereótipo de que só cantores brancos podem fazer e a muito tempo esse estigma vem sendo quebrado”, explica.
Segundo ela, é fundamental que todos os cantores brasileiros se sintam incentivados a produzir concertos, óperas e musicais não se limitando apenas a alguns rótulos. Edna ressalta ainda a relevância do incentivo público para projetos com o elenco inteiramente negro. “Que isso seja uma janela, uma porta, né? Para que dessa forma, as pessoas, as empresas, os governos, os teatros possam ver que é possível”, conclui.
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Para Vitor a experiência trouxe emoções que nenhuma outra ópera assistida por ele proporcionou. Como espectador negro ele destacou a oportunidade de ver pela primeira vez atores pretos no palco desse tipo de espetáculo e a ruptura com a tradição branca no segmento. “Levar uma família com base africana para um cenário italiano que é tão europeu, tão hegemônico, tão branco é disruptivo. Foi lindo do começo ao fim com muitos detalhes sensíveis que aquecem o coração de uma forma sublime. Fiquei muito emocionado e muito encantado em ter feito parte dessa experiência”, conta.
O coletivo Ubuntu Brasileiro
Fundado em 2020 por Edna D’Oliveira Santana, Iberê Carvalho, Mere Oliveira e Michel de Souza o coletivo cultural Ubuntu Brasileiro nasceu da representação dos cantores negros solistas do Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto.
Essa não é a primeira ação do grupo, em outubro de 2020 promoveram o Festival Internacional Ubuntu Vocalis. Um festival online e gratuito sobre música e diversidade que atendeu 143 cantores líricos da América Latina.
Além disso, em 2021, o coletivo organizou o Ubuntu Mensalis, encontros mensais com diversos profissionais para discutir letramento racial, música e autoprodução. Outro exemplo de produção do Ubuntu foi o Festival de Inverno Ubuntu Brasil. Durante o evento jovens artistas pretos na carreira da música de concerto e ópera se apresentaram ao público.