Branquitude nas ciências é tema de debate no Recife

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Alexandro de Jesus, Rita Vasconcelos e Lia Vainer Schucman. Foto: Thiago Augustto

No dia 13 de maio, que na história está marcado como o Dia da Abolição da Escravatura, a Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco promoveu o debate “Branquitude nas Ciências – a influência da cor no fazer científico”. O encontro foi a primeira ação do Comitê de Gênero e Raça da instituição e recebeu a professora Lia Vainer Schucman, da Universidade Federal de Santa Catarina, estudiosa do tema branquitude e Alexandro de Jesus, da Universidade Federal de Pernambuco, que é especialista em racismo institucional.

Na abertura do debate, a jornalista Rita Vasconcelos, que mediou a conversa, fundamentou a necessidade de discutir a branquitude. “A foto que escolhemos na divulgação do evento é da 1ª Conferência Internacional Sobre a Biologia das Baleias, que aconteceu em 1971, nos Estados Unidos. A curiosidade dessa foto é tem 38 homens brancos e apenas uma mulher, negra. E durante 47 anos não se sabia que era essa mulher porque no rodapé da foto tinha o nome de todos os cientistas que participaram da conferência menos o dela. Só depois de 47 anos, uma outra pesquisadora curiosa foi atrás dessa mulher e descobriu quem era Sheila Minor e descobriu que ela trabalhou no governo americano como cientista. Então, se desconhecia a história dessa mulher e agora como as redes sociais foi possível descobrir quem era ela”, discursou.

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A doutora em psicologia social pela USP, Lia Vainer Schucman, começou o debate conceituando o termo branquitude. ”É importante sempre explicar que branquitude não se trata de enaltecimento do branco. O intuito do estudo é recolocar o branco no seu lugar – como portador daquilo que é chamado de raça social e não colocá-lo como uma norma” e cita que ”ser branco – ou estar nesse lugar – é um lugar de conforto, que  pode se olhar os outros com a mente que não se olha a si mesmo, e essa mente é da raça. 
Lia complementou as afirmações mencionando pesquisas que fez que também embasaram os livros dela: ”Entre o encardido, o branco e o branquíssimo e Família Inter-Raciais”. “Perguntei a 40 brancos: o que era ser branco para eles e 19 me responderam que nunca tinham pensado nessa questão. O próprio privilégio de nunca ter pensado é a própria ideia de achar que quem tem raça é o outro e de que o branco se pensa universal, como norma da humanidade. Por isso que quando estamos num evento científico branco, ninguém fala que estamos num evento científico branco, apenas que estamos num evento científico”. 

A professora comentou ainda sobre o fato de terem poucos pesquisadores negros nas ciências. ”Poder não é algo que se tem, ninguém nasce e tem o poder. Poder é algo que tem que ser exercido. E existe um exercício da manutenção o branco nesse lugar de poder e que tem muita relação com o silenciamento. No meu departamento por exemplo, não tem nenhum professor negro. Nunca teve, em 100 anos. Atualmente são 38 professores e nenhum negro. A gente não pode achar isso natural. Não é, é herança de um privilégio, pontuou.

Alexandro de Jesus, Rita Vasconcelos e Lia Vainer Schucman. Foto: Thiago Augustto

O professor da UFPE, Alexandro endossou o privilégio branco revelando uma experiência pessoal vivenciada por suas filhas na escola. “Negritude e branquitude são clausuras diferentes. Enquanto a negritude é uma clausura de raça que tem como característica fazer com que desde cedo o negro se entenda como um ser racializado. Por exemplo: ‘minha filhas, com três anos de idade precisaram ir para um psicólogo porque tinham um pai que podiam bancar a escola dela de classe média-média e somente elas eram as negras da sala, então experimentaram muito cedo a experiência racial a ponto de precisar de terapia’. Então, a marca da negritude é justamente saber que desde o início da sua experiência você é efetivamente negro. A branquitude funciona no sistema inverso, a clausura da raça aparece como uma não clausura. O branco ele não é uma raça”

Especialista em racismo institucional, Alexandro concluiu o debate cobrando mais espaços para os negros no mundo acadêmico: ”Espero que possamos a partir de tudo isso que foi discutido pensar em duas coisas: nessa experiência racializada, o branco não pode ocupar o lugar de universal, ele é uma experiencia tão parcial quanto a nossa. A segunda questão é que se a gente sair daqui entendendo que todos nós somos militantes e que essa experiencia de fazer ciência tem que ser necessariamente nervosa para gente se comprometer ético e politicamente”. 

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