Casos como o do anestesista Giovanni Quintella Bezerra, filmado enquanto estuprava uma mulher durante o parto no último domingo (10) no Hospital da Mulher Heloneida Studart, na Baixada Fluminense, voltou a revelar a vulnerabilidade de pessoas que gestam em unidades de saúde. Esses casos de abusos e agressões não são episódios isolados como revelaram os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) entre os anos de 2015 e 2021 quando 177 casos de estupro em “hospital, clínicas ou similares” foram registrados, apenas no estado do Rio de Janeiro. Já a violência obstétrica atinge 36% das mães brasileiras, de acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, divulgada no último ano.
A advogada de mães, Andreza Santana, observa que a situação do pós-parto é de muita vulnerabilidade para as pacientes. “Os relatos que eu recebo são de mulheres [e não é só um não, eu falo relatos no plural mesmo] saindo do centro obstétrico, do centro cirúrgico, e são colocadas em algum lugar em uma maca, sempre nuas do peito pra baixo, com um pano apenas cobrindo, às vezes nem pano e elas com a anestesia elas cochilam. Ninguém sabe o que se faz nesse período, quem passa por ali, o que se faz por ali”, conta Santana.
Apesar de histórias de violência serem recorrentes, não existe uma política específica de monitoramento e prevenção desses abusos sexuais. Os dados que demonstram que uma pessoa foi abusada em uma unidade de saúde do Rio de Janeiro a cada duas semanas entre 2015 e 2021, foi revelado por um levantamento do Jornal O Globo junto ao ISP via Lei de Acesso à Informação. Em 2019, o site Intercept havia reunido dados de nove estados brasileiros (Acre, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, São Paulo, Rondônia, Roraima, Tocantins e Rio de Janeiro) que revelavam que entre 2014 e 2019 foram registraram 1.734 casos de estupro em unidades de saúde incluindo asilos, hospitais psiquiátricos, consultórios médicos e dentários, laboratórios e postos de saúde.
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Para a advogada a violência obstétrica precisa ser entendida em sentido amplo além de lembrarmos que ela acontece cotidianamente dentro de unidades gratuitas do Sistema Único de Saúde (SUS), mas também de unidades particulares. “Uma violência que vem desde lá do pré-natal, quando uma mulher, principalmente mulheres negras, não conseguem acessar esse sistema de saúde para fazer a quantidade de exames necessários, ou não tem uma educação sexual e reprodutiva para poder entender quando gestam e o que tem que fazer a partir dali para entender os seus próprios processos corporais”, lembra Santana.
Um dos direitos dessas pessoas que gestam, diante da vulnerabilidade da situação do parto, é o de estar acompanhada durante todo o processo por alguém da sua própria escolha e confiança. Essa garantia é dada pelo pela Lei 11.108/2005 conhecida como Lei do Acompanhante. “Independente de você estar sendo bem assistida ou não o seu corpo vai se entregar a essas dores para esse bebê nascer, então você pode não se lembrar de muitas coisas mesmo, assim é sempre importante ter um acompanhante”, observa a advogada que aconselha a necessidade desse acompanhante ser alguém que vai respeitar as vontades e determinações da gestante.
Outro direito é de após o parto o recém-nascido ficar a primeira hora em contato com a mãe, com exceção dos casos em que um dos dois precisarem de algum atendimento. Essa primeira hora é chamada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de “Hora de Ouro”. É um momento dedicado ao colo, ao toque de pele e mesmo à amamentação. A importância dessa primeira hora é um dos fatores pelos quais a sedação total de parturiente não é convencional. “O direito a hora de ouro que é extremamente importante vai auxiliar o bebê a regular a temperatura corporal, a mãe a ter esse olhar nos olhos desse bebê, sentir o cheiro dele, isso tudo vai interferir no maternar”, conta Santana.
Violência obstétrica uma realidade ignorada
Como um fenômeno amplo muitas mulheres que passaram por violência obstétrica podem não identificá-la em um momento inicial: a negação de anestesia quando solicitada, a coerção para que seja feito a cirurgia cesariana, a limitação dos movimentos físicos dessas mulheres, a desassistência ou mesmo a privação dessas pessoas a comida e água podem caracterizar a violência obstétrica durante o parto.
“Quando a gente fala de violência obstétrica o prontuário médico é uma grande prova, para a gente demonstrar que essa mulher está sem assistência, que o profissional olhou essa mulher às quatro horas da tarde e depois ele só retornou às 22h. E esse buraco aí, esse lapso temporal, deixar sem assistência também é violência obstétrica”, lembra Santana. A advogada observa que em casos de desassistência e negativa de anestesia as mulheres negras são as mais vitimadas principalmente devido à mentalidade racista de que elas suportam mais dor.
Outro ponto de atenção é o excesso do procedimento do toque vaginal que também pode ser considerado uma agressão sexual dependendo de como foi executado. “Eu tenho casos de mulheres que receberam até treze toques em uma tarde. Treze! São muitos toques. E o quanto isso impacta você sendo invadido o tempo inteiro sem qualquer necessidade”, alerta a advogada ao ressaltar que o procedimento correto deve ser feito por profissionais que se apresentem às pacientes antes de realizá-lo e expliquem qual a motivação da realização naquele momento.
Caso Giovanni Quintella
Giovanni foi preso pelo estupro de uma mulher na hora do parto e é investigado por pelo menos mais cinco vítimas pela Delegacia de Atendimento à Mulher de São João de Meriti. Segundo a delegada responsável pelo caso, Bárbara Lomba, ele também poderá responder pelos crimes referentes à violência obstétrica.
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