Como matam nossos filhos?

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O genocídio negro começa quando nascemos, quando apagam nossa história e nos tornam invisíveis. Quando o jovem negro supera tudo isso e vive, o estado vem e mata” Mônica Cunha

Para muitas mães a dor é um sentimento que ao mesmo tempo corrói e as mantém de pé. Há doze anos Mônica Cunha, mãe de três filhos, perdeu “o do meio”, o jovem Rafael da Silva Cunha, morto por um policial civil aos 20 anos, em dezembro de 2006.

Após a morte do filho, Mônica fundou o Movimento Moleque, que reúne mães de vítimas de violações em instituições socioeducativas. O filho da ativista morreu pela bala do estado mas, segundo Mônica, esta é apenas uma das diferentes formas que o estado encontra para retirar das mulheres pretas o direito de serem mães: “ Eu demorei a entender porque as mulheres negras não têm o direito de serem mães. A violência que sofremos junto com nossos filhos começa na hora do nascimento. Somos as maiores vítimas de violência obstétrica (65,9% das vítimas são negras, segundo o Ministério da Saúde). Quando a criança cresce nos negam o direito à educação pois não tem vagas nas creches ou escolas. Nos negam o direito à saúde, pois não temos hospitais. E quando superamos todas estas dificuldades e vivemos o estado vêm e assassina nossos filhos”, diz Mônica

Mônica Cunha – Foto: Ponte.org

A taxa de homicídios de negros cresceu 23% em 10 anos, enquanto as  mortes de brancos caíram, segundo dados do Atlas da Violência 2018. O estudo revela ainda que, em 2016, a população negra registrou uma taxa de homicídios de 40,2 mortes por 100 mil habitantes, o mesmo indicador para brancos, amarelos e indígenas foi de 16.

Estes dados revelam que a desigualdade racial no Brasil se expressa de forma muito nítida no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros.

A morte das mães e dos filhos muitas vezes não é física, ela também pode ser emocional: “As pessoas acham que genocídio do povo negro é só colocar um bando gente junto e matar. Não! O genocídio começa quando nascemos. É quando apagam a tua história, é a invisibilidade. Essa dor eterna que transforma essa mulher que teve um filho assassinado. Quando meu filho morre o estado mata uma parte de mim por dentro. Ele era meu filho do meio. Quando ele falta desequilibra toda minha família. Me matou por dentro porque a mãe que eu fui com os meus 3 filhos juntos, eu nunca mais fui depois da morte do meu do meio”, desabafa Mônica.

Não é o branco que superlota os presídios, é o negro. Por isso vocês (brancos) não vêem e acham que não existe”

Invisibilizar os corpos negros também é uma maneira de nos matar: “Ontem em uma audiência pública ouvi de uma promotora branca dizer que não existe superlotação em presídios. Isso é uma falácia. Eu respondi pra ela: “ A senhora não está errada, realmente não existe superlotação para a senhora e para seu povo, porque nós negros não existimos para vocês. Vocês não fazem conta de que nós somos a maioria desse país. Mas também somos a maioria em falta de direitos, dormindo nas ruas e vocês passam pela gente e não nos enxergam. Como quem está preso é a população negra então ela não merece ser enxergada para vocês. Não é o branco que superlota os presídios, é o negro. Por isso vocês não vêem e acham que não existe”, disse Mônica à promotora.

A violência tira os nossos filhos ainda muito jovens . Dados do Atlas mostram que, em 2016, 33,5 mil jovens foram assassinados, aumento de 7,4% em relação ao ano anterior. Este número caracteriza a questão do homicídio como causa de mortalidade da juventude masculina (15 a 29 anos), que, em 2016, correspondeu a 50,3% do total de óbitos. Se considerarmos apenas os homens entre 15 e 19 anos, esse indicador atinge a incrível marca dos 56,5%”, destaca o relatório.

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