Solidariedade no Natal: por que as doações crescem no fim do ano

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No Brasil, onde milhões vivem em insegurança alimentar, o Natal concentra um dos maiores volumes de doações do ano, impulsionado por tradições sociais, sentimentos coletivos e ações de organizações

No fim do ano, o espírito de solidariedade costuma ganhar ritmo e volume no Brasil. Dezembro concentra uma fatia significativa do fluxo de doações anuais a entidades sociais: levantamentos indicam que entre 17% e 33% de todas as doações de um ano são feitas apenas em dezembro, um fenômeno global conhecido como Giving Season (Temporada de Doar). Essa mobilização intensifica-se ainda nos últimos dias do ano, quando muitas pessoas e empresas fazem suas maiores contribuições.

Para a pesquisadora Ingrid David, mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos e doutora em Filosofia, esse movimento de doações no fim do ano está ligado a estruturas sociais e culturais, mas também evidencia as lacunas das políticas públicas no combate à fome.

“O Natal está inserido em uma moral coletiva amplamente compartilhada, havendo uma ‘culpa cristã’ mesmo entre pessoas que não se identificam como religiosas. Trata-se de um período historicamente associado a valores como empatia, generosidade, compaixão e renovação”, explica Ingrid.

No Brasil, onde milhões vivem em insegurança alimentar, o Natal concentra um dos maiores volumes de doações do ano
Foto: Freepik

Esse aumento sazonal tem reflexos diretos em campanhas como o Natal sem Fome, uma das maiores mobilizações sociais do Brasil contra a insegurança alimentar. A campanha, organizada pela Ação da Cidadania, tem como meta distribuir mais de 2 mil toneladas de alimentos em todo o país em sua edição mais recente, mobilizando milhares de voluntários e comitês comunitários para alcançar famílias em vulnerabilidade social.

O impacto dessas doações também pode ser visto em ações regionais: no Ceará, por exemplo, a campanha arrecadou mais de 106 toneladas de alimentos em 2024, beneficiando cerca de 10,5 mil famílias em situação de vulnerabilidade social.

Essa moral coletiva ajuda a explicar por que as doações e ações solidárias se intensificam no fim do ano: o Natal carrega um imaginário de cuidados mútuos e recomeço que mobiliza não apenas entidades, mas também indivíduos e empresas.

Ingrid também aponta um componente moral envolvido nesse aumento:“A doação, nesse contexto, pode funcionar tanto como um gesto genuíno de solidariedade quanto como uma forma de aliviar tensões morais e responder à pressão social por comportamentos considerados éticos e humanitários.”

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Essa combinação, entre tradição, expectativa social e reflexão moral, contribui para o pico das doações no Natal. Mas, para Ingrid, há um risco implícito nesse padrão:

“Quando a solidariedade se concentra em datas específicas, corre-se o risco de reforçar a narrativa de que a fome é episódica ou circunstancial. No entanto, a fome é uma realidade cotidiana para milhões de pessoas no Brasil.”

A pesquisadora reforça que, embora gestos de solidariedade sejam essenciais, eles não substituem políticas públicas estruturadas capazes de promover segurança alimentar durante todo o ano. Para tanto, é preciso enfrentar problemas como desemprego, informalidade e desigualdades que afetam o acesso à alimentação de forma crônica e profunda.

Layla Silva

Layla Silva

Layla Silva é jornalista e mineira que vive no Rio de Janeiro. Experiência como podcaster, produtora de conteúdo e redação. Acredita no papel fundamental da mídia na desconstrução de estereótipos estruturais.

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