Mulheres movimentam a cidade de Salvador no Julho das Pretas

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Perportagem publicada originalmente pelo Coletivo Entre Becos, de Salvador, e replicado na íntegra*

Durante o mês de julho, em todo o país, diversas ações destacam a urgência de superar as desigualdades que afetam as mulheres negras, sejam elas de raça, gênero ou classe. Essas mobilizações fazem parte de uma agenda coletiva, construída por movimentos sociais, batizada como Julho das Pretas. E que culmina no dia 25 de julho, data em que se celebra o Dia da Mulher Afro-Latino-Americana, Afro-Caribenha e da Diáspora, além do Dia Nacional de Tereza de Benguela, liderança histórica do quilombo do Quariterê.

Em Salvador, cidade precursora na construção do Julho das Pretas, mulheres negras das periferias lideram iniciativas que destacam o papel desse grupo na sociedade. É o caso do bairro de Pernambués, onde a administradora Edilene Conceição celebrou o Julho das Pretas com a realização de uma feira de artesanato no Terreiro Ylê Asé Ninfá, reunindo a comunidade.

Foto: Brenda Gomes

Segundo Edilene, organizada por moradores da localidade há anos, a feira foi retomada por meio da associação, diante da importância e do significado que tem para a comunidade.

A assistente social Valdelice Nascimento conta que a feira foi ponto de partida para o fortalecimento da organização comunitária local. “Temos uma longa trajetória de mobilização. Essa feira é muito antiga. A primeira associação do bairro surgiu a partir das reuniões que aconteciam dentro deste terreiro. Foi ali que se formou o embrião da associação de moradores”, explica.

As atividades realizadas incentivam um maior cuidado coletivo com o território.

Ela nasceu das primeiras brincadeiras que fizemos com o intuito de organizar a comunidade. Vendíamos produtos feitos pelos próprios moradores, como acessórios, lanches e café da manhã. Mas o verdadeiro objetivo era nos motivar, nos unir. Organizamos gincanas, lavagens de rua, isso tudo feito por filhos do Terreiro Ninfá e de outras pessoas da comunidade”, lembra Valdelice.

Edilene reforça que as mulheres negras sempre estiveram à frente dessas ações e que celebrar o Julho das Pretas com a feira é também uma forma de homenagear essa liderança.

“Hoje fazemos essas atividades com consciência social e responsabilidade. Temos contado com o apoio de projetos e parceiros, que estão conosco desde 2021. Juntos, desenvolvemos ações de incidência política e projetos de impacto social, com um olhar atento para as questões de gênero e raça”, afirma.

FEAL ITINERANTE

Desde o início do ano, a professora, artista e produtora cultural Juliana Monique, 34, se preparou, ao lado de um coletivo formado por atrizes negras, para colocar nas ruas o Ìyà’s – Festival de Arte de Mulheres Negras. A iniciativa íntegra a programação do Julho das Pretas e tem como objetivo reafirmar o direito das artistas negras a espaços de expressão artística e cultural.

“O Ìyà’s surge em 2020 como um movimento artístico e político de mulheres negras atrizes que não se viam em espaços de protagonismo e visibilidade dentro do circuito de festivais. Nos unimos para potencializar a produção artística feita por nós, mulheres negras”, explica Juliana, que mora no bairro de Beiru.

Foto: Brenda Gomes/Entre Becos

Desde o ano passado, o festival passou a ser realizado no contexto do Julho das Pretas, tanto em homenagem às mulheres negras que lideram ações de enfrentamento às desigualdades quanto como forma de lançar e fortalecer profissionais negras – produtoras, técnicas, artistas – que atuam em todas as etapas da realização do evento.

“Em 2024, consolidamos o mês de julho como uma referência para o festival. Buscamos dialogar com coletivos de mulheres para juntas construirmos essa agenda. O Ìyà’s acontece de 18 a 26 de julho, com uma programação intensa, e se firma como um marco na arte feita por mulheres negras”, afirma Juliana.

A programação inclui 10 espetáculos de artes cênicas, shows com artistas de diversas regiões da Bahia, quatro apresentações de cantoras negras, coral, samba de roda, mesas temáticas com atrizes discutindo processos criativos, rodas de conversa entre produtoras culturais e um curso híbrido de produção cultural.

As atividades se concentram no centro da cidade, com apresentações e encontros em espaços como o Teatro Gregório de Mattos, Espaço Cultural da Barroquinha, Espaço Xisto Bahia e Café-Teatro Nilda Spencer. Além disso, ações descentralizadas serão realizadas em escolas públicas dos bairros de Itapuã, Cajazeiras, Nazaré, Ribeira e Cabula.

Segundo Juliana, o festival já impactou mais de 10 mil pessoas desde sua criação. “Pensando nas atrizes, artistas e na equipe técnica do Ìyà’s, acredito que já impactamos diretamente mais de duas mil mulheres e meninas ao longo desses quatro anos. Com os produtos artísticos que geramos, alcançamos cerca de oito mil pessoas, por meio de formatos híbridos, online e presenciais”, destaca.

DE JULHO A NOVEMBRO

Criado em 2013 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, o Julho das Pretas, este ano, conta com mais de 630 atividades no Brasil, Colômbia, Reino Unido, entre outros em sua agenda oficial.
Em Salvador, o destaque dessa programação é a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que será realizada nesta sexta-feira, 25 de julho, às 14h, na Praça da Piedade da Prefeitura de Salvador. O ato tem também como objetivo pavimentar os caminhos rumo à Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, que ocorrerá em 25 de novembro de 2025, em Brasília (DF), com a meta de reunir um milhão de mulheres brasileiras e estrangeiras.

“As marchas do 25 de Julho pelo Brasil estão em conexão com a grande marcha nacional de Brasília, e com os Movimentos de Mulheres Negras do mundo que defendem a emergência de reconhecermos os danos gerados pela escravidão e tráfico negreiro, e apontam para a construção de um sociedade de Bem Viver”, afirma Naiara Leite, coordenadora executiva do Instituto Odara.

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