O artista visual carioca Pandro Nobã inaugura no próximo dia 28 de maio a exposição ‘O que se vê, não é tudo‘, no Centro Cultural Correios, no centro do Rio de Janeiro. Com cerca de 15 pinturas inéditas e uma instalação composta por 50 conchas pintadas a óleo, a mostra ocupa a Sala A do terceiro andar do edifício histórico e segue aberta ao público até o dia 12 de julho. Com curadoria de Thayná Trindade, a exposição é um convite à escuta sensível, ao olhar atravessado por memórias e à vivência da arte como experiência espiritual, política e coletiva.
“Meu trabalho é uma forma de resistência”, afirma Nobã ao Notícia Preta. A frase não é apenas um manifesto: ela se materializa em cada gesto pictórico, nas escolhas de materiais, nos signos que compõem sua obra. Nascido e criado na Penha, zona norte do Rio, o artista transforma vivências cotidianas e espirituais, das rodas de capoeira angola aos terreiros de religião de matriz africana, em narrativa visual. “Trago uma reafirmação da magia que existe nas ruas, nas rodas de capoeira, nos terreiros, no que é cantado, no que é tocado, nos sinais, nos símbolos”, explica.

A mostra parte da ideia de que há muito mais além da imagem aparente. “O título leva o espectador a refletir sobre os mistérios que as ruas e os terreiros nos oferecem… mas não é só vivência: é estar entregue de corpo e alma para aquela experiência”, conta. As conchas, pintadas em tamanhos diversos e dispostas como instalação, funcionam como dispositivos de memória e são elementos recorrentes em práticas religiosas de matriz africana. Elas aparecem não apenas como representação, mas como corpo e portal entre tempos: passado, presente e futuro coexistem.
Nobã reforça que a exposição também fala de ausências, do que não está visível à primeira vista. “É uma memória minha das minhas vivências e das não vivências também. Daquilo que está no inconsciente, que atravessa gerações. É o tempo do caminho de volta, do resgate, da continuidade”, afirma. Sua pintura não apenas ilustra, ela evoca: “É como uma roda de capoeira ou uma gira no terreiro. A arte não narra a história, ela a reencena.”
A capoeira angola, central em suas obras, é apresentada não como performance esportiva ou folclórica, mas como prática ancestral de luta e encantamento. “Por trás de uma imagem de roda de capoeira estão símbolos, signos e memórias que não se mostram visualmente. O que escapa ao olhar apressado é o mais importante”, destaca o artista.
Ao refletir sobre sua trajetória, Nobã lembra que começou no graffiti e no muro da rua, mas nunca abandonou esse espaço. “Costumo dizer que não migrei. Apenas acrescentei uma nova forma de expressar minha arte. Continuo nas ruas fazendo arte urbana e adicionei isso na minha caminhada.” Para ele, estar em espaços como o Centro Cultural Correios é mais do que um reconhecimento artístico, é uma responsabilidade política. “Sempre penso na minha comunidade, em como podemos quebrar as fronteiras impostas pelo preconceito, seja racial ou religioso. É importante que pessoas da periferia entendam que esses espaços também são nossos.”
Sua presença em instituições culturais tradicionais tem, segundo ele, um efeito multiplicador. “Sou cria genuína da Penha. Estar num local como esse faz com que mais pessoas se interessem em visitar exposições, em entender a arte, em se ver ali. Isso é muito positivo.”
Além de artista, Pandro Nobã é arte-educador desde os 17 anos. Já atuou em projetos com crianças, adolescentes e adultos em situação de vulnerabilidade, e vê nessa vivência uma das maiores forças de sua formação. “Trabalhar com educação é o que me mantém vivo. Estar com pessoas de diferentes culturas e histórias me fortalece. Eu ensino, mas também aprendo. É um eterno aprendizado.”
Ele acredita que a arte, quando pensada coletivamente, é um instrumento para transformação social. “O papel social da arte é nos dar acesso, permitir que a gente consuma cultura e se reconheça nos espaços expositivos. A arte rompe barreiras.”
A curadora Thayná Trindade sintetiza bem essa proposta no texto curatorial: “Na Penha, bairro de ladeiras santas e profanas, corpos dançam como quem reza, como quem luta, como quem se lembra. Cada gesto é uma encruzilhada: lugar de memória, de feitiço e de invenção.”
Mais do que apresentar pinturas ou objetos, ‘O que se vê, não é tudo‘ propõe uma experiência. Cada obra, cada concha, cada gesto ali exposto, é uma fresta por onde se pode ver, e sentir, a continuidade de uma história negra, viva e encantada.
Serviço:
Exposição: O que se vê, não é tudo
Artista: Pandro Nobã
Curadoria: Thayná Trindade
Abertura: 28 de maio de 2025, das 16h às 20h
Visitação: até 12 de julho de 2025
Local: Centro Cultural Correios – Sala A (3º andar), Rio de Janeiro
Entrada gratuita