‘Não existe justiça, principalmente para pobre e preto’, diz viúva após penas de militares que mataram Evaldo serem reduzidas

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O Superior Tribunal Militar (STM) decidiu nesta quarta-feira (18) reduzir as penas dos oito militares do Exército condenados pelas mortes do músico Evaldo Rosa e do catador de latinhas Luciano Macedo, em abril de 2019, no Rio de Janeiro. Dois dos militares foram sentenciados a 3 anos e seis meses de detenção, enquanto os demais receberam penas de 3 anos. Todos deverão cumprir as penas em regime aberto.

Evaldo Rosa dirigia seu carro com a família a caminho de um chá de bebê quando o veículo foi alvejado por 62 tiros disparados por militares. O músico foi atingido por nove disparos e morreu no local. Seu sogro também foi baleado, mas sobreviveu. Luciano Macedo, que tentou ajudar a família, foi atingido pelos disparos e, apesar de ser socorrido, não resistiu.

Os militares alegaram ter confundido o carro da família com o de supostos criminosos. A perícia, no entanto, revelou um uso desproporcional de força, um reflexo da violência estatal frequentemente dirigida contra populações negras e periféricas no Brasil.

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STM reduz pena de militares acusados de morte de músico e catador a 3 anos de detenção em regime aberto – Foto: Divulgação

Uma justiça que falha com os mais vulneráveis

Luciana Santos, viúva de Evaldo, acompanhou a sessão do STM ao lado do filho do casal. Visivelmente emocionada, ela declarou não ter mais esperanças na justiça brasileira. “Uma decisão horrível, lamentável, triste. Muito complicado. Mas era um pouco de se esperar. Porque no país em que a gente vive a gente sabe que não existe justiça, principalmente para pobre e preto”, desabafou.

A viúva afirmou ainda que não pretende recorrer da decisão: “Faz muito mal pra mim, pra minha família, pro meu filho. É como se eu tivesse que voltar no início de tudo o que vivi há seis anos.”

Em 2021, os militares haviam sido condenados por homicídio doloso a penas que variavam entre 28 e 31 anos de prisão. O STM, no entanto, acolheu o recurso da defesa, que alegava dúvidas sobre quem teria disparado o tiro fatal em Evaldo e argumentava pela mudança de qualificativa do crime contra Macedo para homicídio culposo. Com isso, as penas foram drasticamente reduzidas.

A decisão do STM, instância máxima da Justiça Militar, não pode mais ser contestada nesse âmbito. Contudo, a constitucionalidade do julgamento pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Divergências e recorte racial

Nem todos os ministros do STM concordaram com a redução das penas. A ministra Maria Elizabeth Teixeira destacou que o caso reflete a violência estatal sistemática contra populações pretas e pobres. Para ela, não há justificativa para a alegação de legítima defesa: “O que aconteceu foi um crime militar baseado na ideia de que homens pretos e pobres em comunidades são bandidos e, por isso, devem ser punidos”.

A ministra defendeu a manutenção das penas mais severas para os dois principais acusados, mas reduziu parcialmente as sentenças dos outros seis militares. Segundo ela, o caso exemplifica a desigualdade no tratamento judicial oferecido às vítimas negras no Brasil.

Reflexões sobre justiça e desigualdade

A decisão do STM reacende o debate sobre o racismo estrutural e a impunidade em crimes cometidos por agentes do Estado. Para muitos, a redução das penas é mais um símbolo de uma justiça que perpetua a desigualdade e minimiza a violência contra vidas negras.

O caso Evaldo Rosa não é isolado, mas um reflexo de um sistema que segue desafiado a responder por seus próprios atos e a tratar igualmente todos os cidadãos, independentemente de cor ou condição social.

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Nota da Redação sobre caso Evaldo

O Notícia Preta reafirma seu compromisso em dar voz às famílias das vítimas e continuar denunciando casos de violência estatal e racismo estrutural. Seguiremos acompanhando os desdobramentos e cobrando justiça por Evaldo Rosa, Luciano Macedo e tantas outras vítimas da desigualdade e violência no Brasil.

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