Um levantamento realizado pelo Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais revelou que discursos de aversão, desprezo e controle sobre mulheres têm alcançado mais de 4,1 bilhões de visualizações no YouTube. Essa indústria digital, que se aproveita de narrativas misóginas para lucrar, foi mapeada em uma pesquisa do NetLab-UFRJ em parceria com o Ministério das Mulheres.
O estudo, intitulado “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube”, analisou mais de 76 mil vídeos de 7.812 canais, os quais também geraram 23 milhões de comentários. Segundo o relatório, esses conteúdos frequentemente promovem ideias masculinistas, além de disfarçar mensagens de ódio contra mulheres como “aconselhamento” ou “desenvolvimento pessoal masculino”.
A pesquisa identificou a existência de uma rede digital apelidada de “machosfera”, formada por influenciadores e comunidades que disseminam ideais retrógrados sobre gênero. Esses conteúdos frequentemente utilizam linguagem codificada, sarcasmo e ironia para mascarar a hostilidade em relação às mulheres. Entre os alvos mais frequentes estão feministas, mães solteiras e mulheres acima dos 30 anos, descritas como “parasitas emocionais” ou “oportunistas”.
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Com vocabulário ofensivo e desumanizante, os vídeos fortalecem uma cultura de desprezo e controle sobre mulheres, justificando comportamentos abusivos e reforçando a ideia de uma suposta superioridade masculina.
Entre 2021 e 2024, o volume de vídeos misóginos cresceu significativamente no YouTube, paralelamente a um aumento nos casos de feminicídio no Brasil. Apenas em 2023, foram registrados 1.463 casos de feminicídio, um crescimento em relação aos 1.347 casos de 2021. Embora o estudo não estabeleça uma relação causal direta, aponta que a amplificação de discursos de ódio contra mulheres contribui para a normalização da violência.
Uma indústria lucrativa baseada no ódio
A pesquisa também destacou como influenciadores lucram com esses discursos. Cerca de 80% dos canais analisados utilizam técnicas de monetização, como publicidade, doações ao vivo (“Super Chat”), venda de produtos e consultorias individuais. Alguns chegam a cobrar até R$ 1.000 por sessões de “orientação masculina”, que frequentemente promovem comportamentos abusivos.
Além disso, as falhas nos sistemas de moderação do YouTube foram apontadas como fator-chave para a propagação desses conteúdos. Apesar das políticas contra discursos de ódio, o uso de linguagem codificada dificulta a identificação e remoção dos vídeos misóginos, permitindo que continuem sendo amplamente compartilhados e monetizados.
Propostas para frear a misoginia digital
Entre as recomendações do relatório, destacam-se o fortalecimento das políticas de moderação, a maior transparência das plataformas digitais e a criação de marcos regulatórios para responsabilizar influenciadores e empresas que lucram com discursos de ódio.
Marie Santini, fundadora e coordenadora do NetLab-UFRJ, reforçou a urgência de regulamentar esse cenário: “Sem fiscalização adequada, a misoginia deixa de ser apenas um discurso perigoso e se torna um produto altamente lucrativo. Precisamos agir para impedir que essa indústria continue crescendo.”
O relatório completo está disponível no site do NetLab-UFRJ e serve como uma ferramenta essencial para aprofundar o debate sobre misoginia online e seu impacto na sociedade brasileira.