O Ano Novo é um momento de renovação, em que muitos buscam estabelecer novas metas e hábitos para uma vida mais equilibrada. Contudo, o que talvez poucos saibam é que muitas práticas de bem-estar físico e emocional, que fazem parte do nosso cotidiano, têm suas raízes na ancestralidade africana. Ao longo da história, as comunidades negras desenvolveram uma visão holística de saúde, onde corpo, mente e espírito são vistos como partes interconectadas.
A alimentação, a espiritualidade e a conexão com a natureza são pilares importantes dentro dessa tradição. A seguir, exploramos como essas práticas ancestrais podem ser incorporadas no nosso dia a dia para um Ano Novo mais equilibrado e pleno.
1. Alimentação: Comer com sabedoria e respeito à ancestralidade
A alimentação sempre teve um papel central nas culturas africanas, não apenas como forma de sustento, mas também como uma prática de conexão com a terra, os ancestrais e a saúde física. Durante séculos, as populações africanas desenvolveram um vasto conhecimento sobre plantas, ervas e alimentos que promovem a saúde. Os antigos egípcios, por exemplo, foram pioneiros no uso de práticas alimentares para o bem-estar físico, com uma dieta rica em grãos, vegetais e legumes, além de bebidas como a cerveja feita de cevada, que tinha propriedades nutricionais importantes.
Em várias comunidades africanas, alimentos como o azeite de dendê, feijão, quiabo, abóbora, batata-doce, arroz integral e ervas como a alfavaca são usados não apenas para sustentar o corpo, mas também como parte de um sistema curativo. A batata-doce, rica em carboidratos e fibras, é um alimento central em muitas dietas africanas, ajudando a promover energia e bem-estar.
O uso de plantas medicinais também é uma prática ancestral. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde dos EUA, mais de 80% das populações africanas ainda dependem de plantas medicinais para cuidados de saúde. As plantas como a camomila, hibisco, alecrim e boldo são populares para tratar desde problemas digestivos até questões emocionais, como o estresse e a ansiedade.
Uma prática ancestral que pode ser incorporada é a de comer de forma consciente. Isso inclui não apenas a escolha de alimentos mais saudáveis, mas também a valorização do processo de preparo e da partilha das refeições com a comunidade. Esse aspecto de união e gratidão com os alimentos também se reflete em muitas comunidades afro-brasileiras, especialmente nas tradições religiosas como o Candomblé e a Umbanda, onde as oferendas alimentícias são um símbolo de respeito e conexão com os orixás.
2. Espiritualidade: A força da fé e da ancestralidade
A espiritualidade africana está profundamente ligada à ideia de que todas as coisas estão conectadas — o ser humano, a natureza e o mundo espiritual. Para as comunidades negras, a fé não é apenas uma prática religiosa, mas uma maneira de viver e de encontrar equilíbrio nas adversidades da vida. O culto aos orixás e outras divindades africanas, por exemplo, está intimamente relacionado à cura, prosperidade e proteção, e essas crenças podem inspirar práticas de bem-estar emocional.
A importância da espiritualidade para a saúde emocional pode ser vista em práticas como o uso de danças e cânticos nos rituais africanos, que promovem não apenas a purificação espiritual, mas também o bem-estar físico e emocional. O candomblé, por exemplo, é uma religião afro-brasileira que, além de ser uma manifestação de fé, tem um profundo vínculo com a medicina popular. Segundo a antropóloga Regina Novaes, “o candomblé não só promove o equilíbrio espiritual, mas também o físico, pois muitas das práticas ritualísticas envolvem ervas e banhos purificadores”.
Em muitas culturas africanas, a conexão com os ancestrais é vista como uma fonte de força e orientação. A “comunhão com os ancestrais” (um conceito presente no Xangô, por exemplo) é fundamental para entender as práticas de cura e proteção. O “axé” — uma força espiritual que permeia todas as coisas — pode ser acessado por meio de rituais, orações e cânticos. Isso ajuda não apenas a trazer equilíbrio interior, mas também a superar dificuldades emocionais.
Estudos apontam que a espiritualidade, em diversas formas, tem impacto direto na saúde mental. Um estudo realizado pela American Psychological Association (APA) revelou que práticas espirituais ajudam a reduzir os níveis de estresse, promovendo um estado de calma e de equilíbrio emocional.
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3. Conexão com a Natureza: A sabedoria do corpo e do meio ambiente
A relação com a natureza, para as culturas africanas, é fundamental. Muitas práticas de bem-estar africanas envolvem o reconhecimento de que o corpo humano é parte de um ciclo maior, que envolve os elementos naturais, como a terra, o ar, a água e o fogo. A conexão com a natureza não é apenas uma prática de observação, mas uma vivência ativa e simbiótica.
A sabedoria ancestral africana se reflete na prática de “andar descalço”, que é comum em muitas culturas. Esse contato direto com a terra (chamado de “terapia da terra”) tem sido reconhecido pela ciência como benéfico para a saúde, ajudando a melhorar a circulação sanguínea e reduzir os níveis de estresse. Além disso, estudos do Journal of Environmental Psychology demonstraram que o contato com ambientes naturais reduz a ansiedade e melhora a saúde mental.
A agricultura de subsistência, uma prática ancestral africana, também reflete a relação com a terra e a busca pela saúde. O cultivo de alimentos em um solo fértil, sem agrotóxicos, e o uso de plantas medicinais têm sido amplamente comprovados para melhorar a qualidade de vida e promover a longevidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem enfatizado o valor dos jardins comunitários e do cultivo de alimentos como forma de promover saúde mental e bem-estar social.
Outro exemplo de conexão com a natureza que pode ser incorporado ao nosso cotidiano é o uso de plantas terapêuticas. De acordo com a UNESCO, as plantas africanas têm um papel crucial na medicina popular, sendo utilizadas para tratar desde doenças físicas até questões emocionais. O uso de chás e infusões, como o chá de hibisco (rica em vitamina C e antioxidantes), pode ser uma forma prática de aproveitar as ervas para melhorar a saúde do corpo e da mente.
4. Práticas físicas: Dança e movimento como cura
A dança sempre foi uma parte vital das culturas africanas. Em rituais e festividades, a dança não é apenas uma forma de expressão, mas também de cura e manutenção da saúde. Os povos africanos entendem o movimento corporal como essencial para a saúde física e espiritual. A capoeira, o samba, o axé e o balé afro-brasileiro são alguns exemplos de práticas que envolvem dança e movimento para fortalecer o corpo, melhorar a flexibilidade e reduzir o estresse.
O movimento físico, como a dança, é reconhecido por liberar endorfinas, hormônios responsáveis pela sensação de bem-estar. Estudos de psicologia demonstram que a dança não só melhora a saúde cardiovascular, mas também aumenta os níveis de energia e reduz os sintomas de depressão e ansiedade.
Além disso, práticas como a ioga africana, que se baseiam em movimentos fluidos e respiração consciente, podem ser uma excelente forma de promover o equilíbrio físico e emocional, favorecendo o relaxamento e a autocompreensão.
5 – Incorporando as práticas ancestrais no dia a dia
À medida que começamos o Ano Novo, é importante lembrar que o caminho para o bem-estar físico e emocional vai além das metas tradicionais de perda de peso ou de sucesso material. Incorporando práticas de alimentação saudável, espiritualidade conectada e respeito pela natureza, inspiradas na ancestralidade africana, podemos criar uma vida mais equilibrada e harmoniosa.
Essas práticas não apenas promovem a saúde, mas também nos ajudam a reconectar com nossas raízes, com nossas comunidades e com o mundo ao nosso redor.