Acompanhada de seu Asalato, instrumento de percussão originário do Oeste do continente africano, a diademense Ana Cacimba produz vídeos para as redes sociais desde o ano de 2019, mas antes disso já passou por várias vertentes da música brasileira. Em conversa com o Notícia Preta, a cantora falou sobre sua vida pessoal, musicalidade familiar, ancestralidade, o álbum recém lançado, “Mergulho”, e vários outros assuntos.
Ela, que é a única luthier mulher de Asalato no Brasil e formada em ciências contábeis, sempre teve a música como paixão, desde a infância e optou pela música até por uma questão de histórico familiar. “Minha avó, D. Ana, conhecida como Vozinha Sinhá, cantava para os caboclos e boiadeiros quando ia fazer seus benzimentos, suas rezas. E eu estou aqui para continuar o legado dela e falar da importância dela de tantas outras que foram e que são para que eu pudesse ser quem eu sou hoje”, pontua a artista.
Ana Cacimba conta que sua origem é do Quilombo de Caititu do Meio, Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, mas ela nasceu em Diadema, em São Paulo. Porém, desde sempre teve contato com as cantigas de umbanda através das histórias que sua mãe contava, e esse legado foi passado através desses cantos.
“Quando eu comecei a cantar, com 16 anos, foi em uma banda de garagem, aqui em Diadema. Cantava rock porque eu achava que eu tinha alguma coisa para falar, eu tinha alguma coisa que estava presa na minha garganta e eu tinha que falar através da música. Por algum tempo eu me traumatizei com pessoas e acabei ligando à música. Na época da escola veio muito em forma de bullying, de abusos, de racismo”, diz.
Ela lembra ainda que foi em 2015, quando decidiu estudar cultura popular, que foi apresentada ao maracatu e outros ritmos que fazem parte de sua musicalidade até hoje. “Nessa época, me voltei pro quilombo e percebi que tudo era canto e, percebendo toda essa cultura, que já estava enraizada em mim e que eu ainda não tinha olhado com atenção, que eu descobri esses cantos de umbanda, de congado, que hoje são o cerne do meu trabalho”, recorda.
A relação com o Asalato
O Asalato é um instrumento de percussão originário do Oeste da África, mas não veio para o Brasil com os negros escravizados, foi trazido através de orquestras e estudiosos de música, tornando o instrumento elitizado. Ana Cacimba conta que foi estudar o instrumento e pensou que, além de aprender a tocar, ela deveria aprender a produzir e foi o que ela fez.
“Então eu pensei: ‘nossa porque não fazer esse caminho de produzir esse instrumento e levar até o meu povo preto, meu povo pobre?’ Eu fui pesquisar como eu poderia popularizar esse instrumento falando sobre ele e usando para falar sobre ancestralidade”, revela.
Vídeos viralizados
Em 2019 ela potencializou a produção dos vídeos para as redes sociais, mas em 2020 veio a crise sanitária da Covid-19. Ela revela que foi um momento muito difícil e, para piorar a situação, os vídeos estavam “flopando”.
“Eu estava desistindo porque eu não tinha quase ninguém assistindo os vídeos e um dia fiz um vídeo cantando Ciranda para Janaína, no dia de Iemanjá. Quando eu vi tinha 500 mil, um milhão, dois milhões de visualizações, e viralizou e foi se pulverizando por todas as as redes sociais”, celebra.
No início do mês de dezembro, Ana lançou o álbum “Mergulho”, seu segundo disco gravado, em homenagem à Iemanjá, mesmo não sendo seu Orixá de cabeça, por conta da reviravolta que sua vida profissional tomou depois da postagem com o vídeo no dia da “Rainha do Mar”.
“Eu tenho uma ligação muito forte com ela, principalmente por isso, e por essa abertura de caminhos que foi feita através desse vídeo homenageando Iemanjá. Eu ofereci esse álbum pra Iemanjá e ele tem essa coisa do mar, fala muito de mim, das coisas que eu acredito, das coisas que eu sinto, e ele tem esse mar no plano de fundo”, afirma.
Ataques nas redes sociais
As religiões de matrizes africanas são as mais atingidas por ataques de ódio e, somente no ano de 2022, foram mais de 1.200 registros, um aumento de 45% em relação ao ano de 2021, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos. Desta forma, os ataques à pessoas que produzem conteúdo voltado para umbanda, como é o caso de Ana Cacimba, não seriam diferentes. Segundo ela, infelizmente, não tem como driblar os chamados “haters” virtuais.
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“Eu recebo muito hate, muita mensagem ofensiva tanto de pessoas extremistas, ligadas a outras religiões, quanto de pessoas de religiões de matrizes africanas que não têm letramento racial, que falam que Orixá não tem cor, por exemplo, e isso é perigosíssimo, porque acaba trazendo realmente esse branqueamento das nossas convicções”, analisa.
Futuro de Ana Cacimba
Além do lançamento do mini doc Cantos D’água, uma gravação feita no quilombo, Ana também revela que existem alguns planos para o ano de 2024, mas que, no momento, não pode divulgar. Sobre o minidoc, ela conta que a produção é um registro afetivo.
“Eu gravei a primeira vez do meu filho no quilombo, eu queria mostrar as minhas lembranças de infância através dos olhos dele, através das vivências dele. Então, trago ali também as crianças na escola cantando, e vem esse trabalho de educação quilombola”, explica.
“Em 2024 a ideia é levar essa mensagem de ancestralidade de fé de espiritualidade para cada vez mais pessoas. Tem muita coisa boa para vir por aí”, finaliza.