No dia 26 de julho, o presidente do Níger, Mohamed Bazoum, foi detido por membros da Guarda Presidencial. No dia 28 do mesmo mês, o general Abdourahamane Tiani, que é chefe da Guarda Presidencial desde 2011, apareceu nos canais de TV estatais do país. Ele anunciou que foi nomeado “presidente do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria” para “período de transição”, pelos militares que atuaram na prisão do presidente Bazoum.
Após as tensões militares que estão ocorrendo no Níger e nos países vizinhos, o Notícia Preta entrevistou o doutorando em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eden Pereira. Ele, que é Pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e Relações Sul-Sul, falou sobre a situação do país da África Ocidental.
Para Eden Pereira, o cenário atual do Níger é complexo, e por isso, é difícil de definir. “Talvez golpe não seja a melhor ideia para expressar o que aconteceu, pois o que ocorreu no Níger não foi uma quartelada no sentido tradicional. Também não acho que chamar de revolução seria correto, pois ainda é cedo para falar de transformações concretas na sociedade. É possível falar em um movimento político dos militares, que lembra remotamente o papel da oficialidade militar em outros processos históricos no Terceiro Mundo no século XX”.
A junta militar que já havia prendido o presidente Bazoum, prendeu no dia 31 de julho o ministro do petróleo e o ministro da mineração. Eles alegaram ter tomado o poder devido a precarização da segurança nacional e criticaram a não cooperação com governos militares de Burkina Faso e Mali, que são do países vizinhos do Níger no combate às insurgências na região. A junta emitiu um comunicado que é contra “qualquer intervenção militar estrangeira”.
O presidente da França Emanuel Macron, em uma agenda em Papua-Nova Guiné, condenou o evento e disse que “este golpe de Estado é completamente ilegítimo e profundamente perigoso para os nigerinos, para o Níger e para toda a região”. O país europeu, que colonizou o Níger, mantinha até pouco tempo tropas militares no país africano.
Macron tem sido o presidente Francês que mais tem reconhecido os erros da França no continente Africano. Em viagem a Ruanda, ele chegou a admitir que a França teve grande responsabilidade no genocídio que deixou cerca de 800 mil mortos em 1994. Além disso, elevou a ajuda financeira ao continente e devolveu obras de arte roubadas no período colonial.
Diante a análise de Eden Pereira, o NP questionou o pesquisador sobre a diferença das “quarteladas tradicionais” para o que ocorreu no Níger.
“As quarteladas “tradicionais” começam e acabam com os militares como os principais atores no processo da derrubada de governos. Nestes casos, as armas são o principal meio de manter o poder e a legitimidade. O movimento no Níger teve início nos quartéis, mas conta com forte suporte e participação de setores civis populares da sociedade, e deles depende para construir a sua legitimidade”, respondeu o historiador.
Os vizinhos do Níger, Mali e Burkina Faso, também tiveram o poder tomado por militares e se aproximaram da Rússia. Assim como no Níger, os antigos chefes de estado destes países estavam alinhados politicamente aos países do Ocidente, e após tomarem o poder, se tornaram aliados da Rússia.
O Níger, Mali e Burkina Faso foram colonizados pela França, e ambos só obtiveram sua independência em 1960. Desde então, há sucessivos golpes de Estado pelo controle da região. O islamismo é predominante entre os países. Só o Níger possui 90% da população islâmica de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2010, e grupos islâmicos disputam o poder desde a independência desses países.
A Comunidade Econômica da África Ocidental (CEDEAO), formada por 18 países, os chefes da CEDEAO se reuniram e aprovaram, com uma votação, uma intervenção armada no Níger. Dos 18 membros, apenas três são contrários a intervenção. Mali, Burkina Faso e Guiné. Todos atualmente governados por juntas militares após processos semelhantes. Já a União Europeia suspendeu a ajuda financeira ao Níger no dia 29 de julho.
Leia também: Soldados do Níger dizem que governo do presidente Bazoum foi removido