Dados do Disque 100 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) revelam que, em 2020, foram registradas 1.830 denúncias de exploração sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Dessas, 30% tinham como vítimas pessoas negras, enquanto 20,6% de vítimas de exploração sexual foram declaradas como brancas. Entretanto, na maioria das violações registradas (51 %) a questão de raça foi ignorada ou não-declarada.
Um estudo divulgado pelo Childhood Brasil, em 2019, apontou que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes são, de fato, notificados. Ou seja, a estimativa é de que tenham ocorrido no país pelo menos 18 mil casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes no último ano. Não existem ainda no Brasil dados oficiais que monitorem o problema; os mais usados ainda são os dos serviços do Disque 100.
A subnotificação de casos de vítimas de exploração sexual decorre da naturalização com que esse crime é tratado no país, como aponta a procuradora do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT/SP), Elisiane Santos, “São casos de meninas muito jovens, a maioria meninas negras, principalmente onde tem o turismo internacional. Uma prática perversa desse crime que envolve essa hiperssexualização das mulheres, em especial das meninas negras, porque são vistas com esse olhar para servir sexualmente”, explica a procuradora. Para ela, essa lógica acaba por provocar que o crime ocorra de uma forma quase invisível: “o grande problema da naturalização disso é que nós como sociedade terminamos também, sem ação. Aquela situação vai se perpetuando e ninguém denuncia ou se insurge”.
A exploração comercial do trabalho sexual de crianças e adolescentes é classificada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) através da Convenção 182 (decreto 6481 de 2018), uma das piores formas de trabalho infantil. As vítimas são expostas a violências físicas e sexuais, vícios em drogas e álcool, além das Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ist’s). “É considerada uma das piores das formas de trabalho infantil porque muitas vezes essas meninas não são vistas como vítimas, são até culpabilizadas, principalmente se elas tem mais idade, 16 ou 17 anos”, destaca Santos.
A procuradora observa que essa responsabilização das vítimas, principalmente negras, remete no imaginário social ainda ao período da escravização negra no Brasil. “Aos meninos, trabalho escravo forçado na área rural e, às meninas, trabalho escravo também. Pouco se fala disso, mas nesses 400 anos de escravização negra, milhares de crianças e adolescentes foram também vítimas de violência. As meninas que trabalhavam no trabalho doméstico eram também entregues aos senhores”, recupera historicamente a procuradora.
Omissão de denúncia também é crime
A procuradora lembra que o crime de exploração comercial do trabalho sexual de crianças e adolescentes envolve uma complexidade devido a prática, por muitas vezes, ser organizada em redes com envolvimento de autoridades como políticos, entidades religiosas e grandes empresas.
A legislação brasileira determina, através da Lei 11577/2007, que as empresas atuem ativamente no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Assim, todas as empresas que facilitem o crime, como hotéis e motéis que permitem a hospedagem de crianças e adolescentes desacompanhados dos responsáveis, o que é vedado por lei, ou agências de turismo, agências de modelo, bares e restaurantes, onde o crime ocorre ou é facilitado, também podem ser responsabilizados criminalmente.
“Para o MPT todas as pessoas que de alguma forma participam dessa situação da exploração comercial serão investigadas e responderão a uma ação civil pública que vai trazer, a abstenção da prática, daquela conduta e, também, a abstenção e indenização por danos morais e coletivos” explica a Santos que completa. “Em um contexto amplo de proteção da criança e do adolescente é uma obrigação do estado, da sociedade e da família, e no contexto do desenvolvimento da atividade econômica é uma obrigação de cada empregador”, finaliza.
As condenações do crime de exploração comercial sexual implica em responsabilização criminal realizada pelo Ministério Público de cada estado e, em relação ao MPT, essas condenações são relativas ao dano moral coletivo que implicam em uma indenização, em valores que devem ser convertidos em favor as comunidades atingidas, no combate à desigualdade.
As denúncias podem ser feitas através do Disque 100, pelo site do Ministério Público do Trabalho e pelo aplicativo pardal do Ministério do Trabalho.