De acordo com informações divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), uma operação realizada em Porto Alegre do Norte (MT) resultou no resgate de 563 trabalhadores que estavam submetidos a condições análogas à escravidão em um canteiro de obras da empresa TAO Construtora.
Os trabalhadores, oriundos principalmente das regiões Norte e Nordeste do país, foram encontrados em situação degradante, conforme constatado pelos auditores-fiscais. As denúncias envolvem, além das condições precárias de moradia e trabalho, indícios de tráfico de pessoas, jornada exaustiva e servidão por dívida.
A ação teve início em julho, após denúncias e inspeções no canteiro de obras de uma usina de etanol na zona rural da cidade. Os alojamentos onde os operários viviam estavam superlotados e não ofereciam condições mínimas de dignidade. Os dormitórios, com apenas 12 m², abrigavam até quatro pessoas sem ventilação ou climatização.
Segundo o MPT, os operários dormiam em quartos abafados, com apenas um ventilador para cada quatro pessoas, recebendo apenas um lençol fino para cobrir colchões usados e em péssimo estado. Também não eram fornecidos travesseiros ou roupas de cama adequadas, e alguns chegaram a dormir no chão, sob mesas, por falta de espaço.

O cenário se agravou com o incêndio que destruiu parte dos alojamentos masculinos e femininos, além da panificadora e da guarita. A suspeita é de que as chamas tenham sido iniciadas pelos próprios trabalhadores como forma de protesto diante das constantes interrupções no fornecimento de água e energia elétrica. Durante esse período, caminhões-pipa passaram a buscar água no Rio Tapirapé, mas, segundo os relatos, a água era turva e imprópria para consumo.
A fiscalização também encontrou irregularidades graves nas condições de trabalho. Os operários atuavam em ambientes insalubres, com acúmulo de poeira, sem ventilação e com refeitórios inadequados. Casos de acidentes não comunicados oficialmente e doenças de pele provocadas pelo manuseio de substâncias sem proteção adequada foram relatados.
Conforme apontado pelo MTE, parte dos trabalhadores foi levada para casas e hotéis nas cidades de Porto Alegre do Norte e Confresa. Mesmo assim, muitos continuaram expostos a situações degradantes, dormindo no chão, sem camas ou locais adequados para guardar seus pertences, alguns dos quais perdidos no incêndio. Um grupo foi alojado provisoriamente em um ginásio de esportes em município vizinho.
A investigação também revelou um sistema de recrutamento ilegal. Sem conseguir contratar localmente, a empresa passou a recrutar trabalhadores por meio de carros de som e mensagens em redes sociais, prometendo altos ganhos com horas extras. Muitos relataram ter pago intermediários para garantir uma vaga. Em outros casos, a própria empresa custeou o deslocamento, mas descontou os valores dos salários. Trabalhadores reprovados em exames admissionais ficaram sem recursos para retornar para casa.
Um dos pontos mais graves foi a descoberta de um segundo sistema de controle de ponto, chamado de “ponto 2”, em que as horas extras eram anotadas à parte e pagas em dinheiro ou cheque, sem registro em contracheques ou recolhimento de FGTS e INSS. Auditores ouviram relatos de jornadas de até 22 horas diárias, inclusive aos domingos, sem descanso ou folga, e com pagamentos “por fora”.
As refeições também eram alvo de reclamações. Segundo os trabalhadores, a comida era repetitiva e, por vezes, estragada. Relatos de larvas, moscas e alimentos em mau estado foram registrados.
Após o incêndio, houve 18 demissões por justa causa, 173 rescisões antecipadas e 42 pedidos de demissão. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os seus pertences. O MPT está negociando com a empresa um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que prevê, entre outras medidas: o pagamento das verbas rescisórias, reembolso das despesas de deslocamento, compensação de R$ 1.000 por perdas no incêndio e o custeio do retorno às cidades de origem.
Os trabalhadores resgatados terão acesso ao seguro-desemprego em modalidade especial, previsto para casos de trabalho análogo à escravidão. A força-tarefa segue avaliando documentos e não descarta novas fiscalizações. Parte dos resgatados já recebeu os pagamentos devidos; os demais aguardam a conclusão do processo.
A TAO Construtora mantém atualmente quatro obras em andamento no estado do Mato Grosso, sendo a de Porto Alegre do Norte a maior, com cerca de 1.200 trabalhadores.
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