Nos últimos dias, integrantes do Terreiro Casa Branca – Ilê Axé Iá Nassô Ocá, o mais antigo do Brasil, localizado no Bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador (BA), foram às redes sociais denunciar as ameaças de destruição que vêm sofrendo. A situação não é um caso isolado, segundo uma pesquisa da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras, realizada em 2022, cerca de metade dos líderes de terreiros ouvidos registraram até cinco ataques nos últimos dois anos.
O Terreiro Casa Branca, fundado em 1930, foi o primeiro tombado pelo IPHAN e reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro. Além de ser inscrito nos livros do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 1984.
O local resiste as mazelas sociais e raciais do Brasil há mais de 90 anos. Entre elas, a escravização da comunidade preta, o racismo religioso, o apagamento de sua narrativas e culturas. Em pleno 2023, a casa de axé vivencia mais uma situação de descaso em razão de uma invasão imobiliária.
Uma obra de cinco andares está em construção no terreno ao lado do centro religioso. O prédio sem alvará ou acompanhamento da prefeitura de Salvador tem chances de desabamento. Colocando em risco a vida dos menbros da comunidade.
Entenda o caso
Nas redes sociais, os representantes do terreiro demonstram preocupação com um possível desabamento. “Ao desabar, e os riscos disso acontecer são óbvios, destruirá a Casa Sagrada do Orixá Omulu e matará filhas e filhos de santo da Casa Branca. É a crônica de uma tragédia anunciada. Um crime a céu aberto. Inaceitável a inação das autoridades”, diz o texto publicado no Instagram do terreiro. Após a publicação, a denúncia a ganhou grandes proporções.
Essa não é a primeira vez que integrantes da casa denunciam a situação. Ainda segundo o texto publicado, anteriormente, os responsáveis pelo terreiro teriam recorrido ao Ministério Público, que convocou uma reunião para tratar do assunto, mas a obra seguiu em andamento. A delação também foi feita ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que respondeu com a seguinte nota.
“Desde 2021, o edifício construído irregularmente nos limites do terreiro é objeto de ações de vistorias pelo Iphan, ou seja, tão logo ocorreram as primeiras denúncias sobre a construção, o Instituto empreendeu vistorias técnicas, conforme prevê a Portaria Iphan 187/2010. De acordo com o documento, realizar na vizinhança de coisa tombada construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, sem prévia autorização do Iphan é considerada infração administrativa às regras de proteção do patrimônio cultural edificado”.
Edifício construído irregularmente ameaça o Terreiro Casa Branca, em Salvador. Foto: Reprodução/ Instagram
Apesar de reconhecer a infração, o IPHAN não tomou nenhuma providência para o embargo da cosntrução. É importante ressaltar que o processo de vistorias e ações fiscalizatórias envolveu o Iphan, o MPE/BA; a SEDUR e a Defesa Civil de Salvador (Codesal), por meio da Coordenadoria de Ações de Contingência (COAC) e do Setor de Fiscalização de Vistorias (SEFIV). Contudo, as ações não conseguiram interromper a obra irregular.
Paralelamente, existe uma ação do Ministério Público Estadual (MPE/BA), que trata de suposta violação à ordem urbanística e ao patrimônio cultural, por construção clandestina inacabada já no quinto pavimento. Uma obra causadora de dano urbano ambiental, que compromete o entorno de um bem tombado.
Além disso, em audiência no MPE/BA, em junho de 2022, o proprietário foi orientado pelo órgão a não continuar com a construção, aguardando o prosseguimento dos trâmites processuais, visando solucionar a irregularidade.”
Já a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) de Salvador, que também foi acionada anteriormente, alegou em primeira instância não ter conseguido fiscalizar a obra com embargo. No entanto, na quarta-feira (29/03), a secretaria interditou o edifício, após a fiscalização encontrar materiais de construção no local. Em nota, a pasta informou que a obra estava embargada desde setembro de 2022. Apesar do embargo, frequentadores do terreiro afirmam que as obras foram retomadas neste ano, sem o alvará da prefeitura.
Intolerância e racismo religioso
Em entrevista para o Notícia Preta, Jorge Santana, historiador e doutorando em Ciências Sociais, ressalta que o sociólogo Edson Carneiro chamava o Terreiro Casa Branca de casa de todas as casas, porque a partir de seu legado foram fundados outros barracões de grande importância para a Bahia e para o Brasil.
“Foi a partir dela [Casa Branca] que surgem outros, a importância é gigante porque é um terreiro que foi criado no período do Brasil império, em que a única religião permitida era a católica, todas as outras estavam à margem. É o primeiro templo não católico a ser tombado!”, destaca o historiador.
Apesar do pioneirismo, o espaço sofre ameaças a sua integridade. Para Jorge, construir um edifício no mesmo local do terreiro, sem considerar a representação cultural do espaço, é uma forma de danificar a paisagem do lugar, que ele classifica como um espaço racializado. O historiador ainda aponta o racismo por trás do apagamento de um território religioso de importância para história negra.
“O fato desse prédio estar com as obras avançadas a mais de três andares só demonstra que o patrimônio de origem negra e afrobrasileira não tem o mesmo valor e o mesmo olhar das autoridades do que os outros patrimônios de legado europeu, católico ou cristão (…). Teve que ser realizada uma gritaria, uma grande denúncia de nível nacional para que a obra fosse agora, de fato, embargada”.
Jorge finaliza com um questionamento: Por quanto tempo mais será assim?
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