A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para invalidar a aplicação do chamado marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas no Brasil. O julgamento ocorre no plenário virtual da Corte e analisa quatro ações que questionam dispositivos da lei aprovada pelo Congresso Nacional em 2023, que buscou restabelecer o mecanismo mesmo após o Supremo já ter declarado sua inconstitucionalidade.
Até o momento, prevalece o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. O entendimento majoritário afasta o uso da data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, como parâmetro para definir o direito dos povos indígenas à posse de seus territórios tradicionais.

O marco temporal estabelece que apenas as terras ocupadas por comunidades indígenas naquela data poderiam ser demarcadas. Para os ministros que formaram maioria, esse critério desconsidera processos históricos de expulsão, violência e remoções forçadas sofridas pelos povos originários, especialmente ao longo do século XX, o que inviabilizaria a comprovação da ocupação em 1988.
No voto, Gilmar Mendes também considerou inconstitucional o dispositivo que proibia a ampliação de terras indígenas já demarcadas e apontou omissão do Estado brasileiro na condução dessas políticas. O ministro determinou que a União conclua, em até dez anos, todos os processos de demarcação ainda pendentes. Por outro lado, manteve regras que permitem a permanência de ocupantes não indígenas até eventual indenização e validou pontos do acordo construído em comissão especial, como maior participação de estados e municípios e a ampliação da publicidade dos procedimentos.
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Apesar de acompanharem a invalidação do marco temporal, Flávio Dino e Cristiano Zanin apresentaram divergências pontuais. Ambos defenderam a retirada de dispositivos que tratam de impedimento e suspeição de antropólogos nos estudos técnicos e questionaram regras sobre o uso de áreas indígenas que coincidem com unidades de conservação. Dino também votou contra a possibilidade de contratos de cooperação entre indígenas e não indígenas nessas áreas.
A discussão tem impacto direto sobre a garantia de direitos territoriais, culturais e sociais dos povos indígenas, que enfrentam, historicamente, conflitos fundiários, avanço do agronegócio e pressões econômicas sobre seus territórios. A definição do STF reforça o entendimento de que os direitos indígenas são originários, anteriores à própria formação do Estado brasileiro.
O julgamento ocorre em um contexto de tensão institucional. Após a decisão do Supremo em 2023, o Congresso aprovou a lei que retomou o marco temporal e, paralelamente, o Senado avançou com uma proposta de emenda à Constituição sobre o tema. Caso a PEC seja aprovada pela Câmara, o assunto poderá retornar ao STF para nova análise constitucional.








