Desde 2016, dos 461.377 nascidos no Distrito Federal, 21.510 foram registrados apenas em nome da mãe, o que equivale a cerca de quatro bebês por dia sem o nome do pai na certidão de nascimento. No primeiro semestre de 2025, esse abandono paterno também se mantém elevado: 963 recém-nascidos não tiveram o pai formalmente reconhecido em seus registros, mantendo a média de mais de quatro casos diários.
A região administrativa com maior número absoluto de registros sem paternidade é o Gama, seguida por Samambaia, Ceilândia, Paranoá e Taguatinga. Desde março de 2024, cartórios no DF são obrigados a comunicar à Defensoria Pública (DPDF) e ao Ministério Público (MPDFT) os registros de nascimento em que o pai não está identificado. A partir dessas informações, o projeto Defensoria nas Escolas identificou mais de 5.000 estudantes públicos cujo documento de nascimento não traz o nome do pai.

“A ausência de formalização da paternidade é mais frequente em contextos sociais vulneráveis e pode desencadear consequências legais e emocionais adversas.”, disse o defensor público Rodrigo Duzsinski. “Por isso, o atendimento busca esclarecer os responsáveis sobre os impactos desse registro, além de viabilizar pedidos de pensão alimentícia.” completou.
“Entendo que somos resultado das experiências que vivemos e das interações que estabelecemos, especialmente na infância e adolescência — fases em que ainda não temos maturidade para compreender a complexidade das relações interpessoais. Crescemos numa sociedade que alimenta a ideia de amor incondicional entre familiares, principalmente entre pais e filhos. Quando a figura paterna se ausenta, é comum que a criança ou adolescente internalize sentimentos de culpa, como se houvesse algo de errado com ela para justificar a recusa do pai em participar de sua vida.”, disse a psicóloga Letícia Alvarenga, em entrevista ao Notícia Preta.
Letícia também trás o ponto de como esse tipo de vivência pode gerar crenças como “não sou amado” ou “não valho o suficiente”, que afetam a autoestima, a autoimagem e o senso de pertencimento. Estudos apontam que o abandono paterno está associado a maior risco de sintomas de ansiedade, depressão, comportamentos agressivos, uso precoce de álcool e dificuldades escolares (UNIFASC, 2024; UFRN, 2023).
Garantir o nome do pai na certidão é um direito constitucional e previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para facilitar o reconhecimento, o MPDFT criou o programa “Pai Legal”, que oferece atendimento gratuito e pode ser acionado por mães ou pais interessados.
“A ausência paterna não significa apenas a falta de um provedor financeiro, mas a ausência de uma figura de apoio emocional e referência de vínculo. Esse vazio, se não elaborado, pode moldar profundamente a forma como o indivíduo se vê e se relaciona com o mundo.”, conclui a psicóloga.
Números do Brasil
Segundo levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen‑Brasil), entre janeiro e abril de 2025, mais de 65 mil crianças no Brasil foram registradas somente com o nome da mãe na certidão de nascimento, que equivale a 6,3% dos nascimentos no primeiro quadrimestre do ano.
Entre os estados com os maiores números absolutos, São Paulo lidera com 10.564 casos, seguido por Bahia (6.901), Rio de Janeiro (6.215), Pará (5.887) e Minas Gerais (5.132). Juntos, esses cinco estados concentram mais de 52% dos registros sem identificação paterna.
Leia mais: Pesquisa revela que crianças brasileiras usam inteligência artificial como companhia emocional.