Onde estão os negros na advocacia? De acordo com o Censo Jurídico 2018, os advogados negros representam menos de 1% do corpo jurídico em grandes escritórios. Esse grupo é composto por cargos de advogado júnior, pleno, sênior e os sócios das bancas. A pesquisa do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) feita em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial e a FGV Direito SP, evidencia esse contraste.
De todos os funcionários que trabalham em escritório, apenas 19% são negros, sendo 10% mulheres e 9% homens. A pesquisa indica também que 11% dos funcionários brancos nas empresas são sócios, ou seja, ocupam uma posição de liderança na empresa. O número de negros, no entanto, nesses cargos de liderança, não chega nem a 1%. Entre os cargos relacionados a advocacia, só há quantidade significativa de negros na função de estagiários – 9%. Outro dado que chama a atenção na pesquisa é sobre como a oportunidade aparece. De acordo com o levantamento, 36% dos negros sabem das vagas de trabalho pela internet, enquanto uma das principais formas dos brancos tomarem conhecimento de oportunidades de trabalhos é por meio de amigos ou parentes.
Apesar de serem a maioria da população, os cidadãos brasileiros classificados pelo IBGE como negros ainda estão longe de ter um lugar de destaque no mercado de trabalho. Diante dessas informações, o Portal Notícia Preta ouviu um advogado negro para comentar essa desproporção. Confira abaixo a entrevista com o advogado Derik Roberto, que é coordenador da área cível do escritório DRD Advogados e especialista em direito privado pela Fundação Escola da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Notícia Preta: doutor, Derik Roberto, o Censo Jurídico de 2018 concluiu que os advogados negros representam menos de 1% do corpo jurídico das principais empresas de advocacia do pais. O que o senhor acha disso?
Derik Roberto: ”não me causa nenhum espanto, apenas explica certa ocasião em que uma conhecida deixou escapar que eu não tinha cara de advogado. Infelizmente, esses dados me fazem concordar com ela, a advocacia tem sim uma cara e ela não é parecida com a minha, temos cores diferentes. Já que estamos falando em números, é interessante observar que, de outro lado, os dados levantados pelo Infopen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias), apontam que 64% da população carcerária é negra. A julgar por esses dados, na compreensão daquela minha conhecida, eu tenho mais cara de que”?
NP: por que esse número é tão baixo?
DR: ”a meu ver são dois fatores que se somam: os advogados negros sentem-se desestimulados a participarem desses processos seletivos; e os recrutadores preferem contratar advogados que tenham mais o “perfil do escritório”. Ou seja, a falta de representatividade gera ainda mais falta de representatividade. E como isso funciona? De um lado os advogados negros se sentem desestimulados quando observam que aquela vaga que ele almeja, ao que parece não são ocupadas por pessoas semelhantes a ele. Os poucos negros que lá estão, são em números tão baixos que quando ele se inscreve no processo seletivo o sentimento é parecido com o de jogar na loteria, sabe-se que a chance de lograr êxito é raríssima. Do outro lado, os responsáveis pelo processo seletivo nesses grandes escritórios imaginam ser melhor para os seus negócios ter alguém com “cara de advogado”.
NP: o que é ser um advogado negro nesse contexto?
DR: ”um ato de resistência. É ter que mostrar todos os dias a carta de alforria que hoje está mais modernizada, ela é uma carteira vermelhinha com uma foto sua e com a sigla “OAB”, entretanto, porque você não corresponde ao estereótipo de advogado Harvey Specter (da série SUITS) algumas pessoas colocarem em dúvida se você realmente é bom. Eu fico mais tranquilo porque eu sei que sou (Risos)”.
NP: doutor, a pesquisa aponta também que 11% dos funcionários brancos são sócios. Quanto aos negros, não há uma quantidade significativa, nem mesmo de advogados sênior, pleno ou sequer júnior. O que o senhor acha disso?
DR: ”quando fundei a DRD Advogados junto aos meus irmãos e hoje sócios, nós sabíamos que não seria nenhum pouco fácil. Mas justamente esses casos recorrentes de pessoas que se dedicam literalmente uma vida no escritório com a esperança de fazer carreira lá dentro, porém, acabam sendo descartadas antes da promoção, acabou nos incentivando a abrir o nosso próprio escritório. Esses casos de pessoas que são descartadas, não é exclusividade do advogado negro acontece com advogados brancos também, porém, se é difícil um negro ser contrato, podemos deduzir qual seria a primeira cabeça a ser eliminada se estivesse lá dentro”.
NP: a pesquisa também revelou que 36% dos negros sabem de vagas de trabalho pela internet, quanto umas das principais formas dos brancos para se informarem de oportunidades de traballho é por meio de amigos ou parentes. A pergunta é: as oportunidades são diferentes?
DR: ”sem dúvidas as oportunidades são diferentes. A internet é uma forma de viabilizar o acesso a essas informações de quando há vagas disponíveis, por exemplo. Contudo, sabemos que a indicação coloca o seu currículo na frente de outros, nesse caso é curioso e digno de nota que aproximadamente 99% (noventa e nove por cento) das vagas são ocupadas por advogados brancos, os quais por estarem dentro do escritório têm o primeiro contato quando abre uma vaga, portanto, é uma situação comum indicar algum parente (também branco) para a vaga e manter as coisas dentro dos padrões que elas se encontram.
NP: o senhor acredita que o processo de recrutamento dos escritórios de advocacias precisa melhorar?
DR: ”não diria que precisa melhorar, mas se conscientizar. Eu faço questão de esclarecer que o serviço de recrutamento de profissionais contempla uma ciência a qual não é do meu domínio de conhecimento, portanto, devo prestar homenagens a quem o tenha. No entanto, quando você tem contato com uma pesquisa que aponta que os advogados negros representam menos de 1% do corpo jurídico de nove das maiores bancas do país, é preciso como recrutador desses escritórios de advocacia despertar a consciência e se perguntar o que está acontecendo e a importância da representatividade nos seus negócios”.
NP: O senhor se sente representado pelos advogados que aparecem em propagandas, campanhas de comunicação dos escritórios? Acha que poderia haver uma inclusão maior dos negros?
DR: ”não me sinto representado. Como podemos observar, o número de advogado negro nos escritórios é pequeno. Então se já existe a dificuldade em ter acesso a esses lugares, fica fácil concluir que o negro dificilmente será o escolhido para ser a “cara desse escritório”, não é mesmo? Com certeza poderia haver uma inclusão maior dos negros nesses espaços. Sentir-se representado importa muito, não apenas para permitir sonhar e criar novas possibilidades para o advogado negro, mas também para entender quem são e tudo que podem fazer. É importante ver pessoas negras ocupando mais espaços de destaque para que o sentimento de pertencimento ganhe cada dia mais e mais perfis, com toda sua complexidade, dentro da nossa sociedade”.
NP: a pesquisa aponta ainda para uma diferença salarial entre o advogado negro e o branco. O que dizer disso?
DR: ”em um país com herança de escravidão e que não é bem resolvido com as suas cicatrizes, já que alguns, inclusive, negam esse acontecimento em nossa História. Não me assusta o fato de um advogado negro ganhar menos do que um advogado branco, afinal quando você percebe que os escritórios grandes não te oferece muitas oportunidades, acaba sendo normal acabar se contentando com salários menores. Porém, essa é uma realidade que precisamos mudar com urgência”.
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