Blaxploitation: entenda o movimento que revolucionou o cinema negro nos EUA

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No final da década de 60, os Estados Unidos era marcado pelo auge da luta pelos direitos civis da população negra. Com suas primeiras manifestações datadas desde a década de 50, o movimento pelos direitos civis dos negros foi o período em que a população afro-americana lutou por espaço e representação nos espectros políticos e sociais da sociedade estadunidense, que naquele período vigorava com as leis de segregação racial.

Paralelo a esse fato, mais uma crise econômica entrava para o histórico de Hollywood, que na época sofreu da evasão da população média branca de suas salas, que migraram para os novos subúrbios e deixaram os cinemas dos grandes centros. Foi em meio a esses contextos que o cineasta negro Melvin Van Peebles viu na brecha aberta na indústria cinematográfica estadunidense, a possibilidade de levar para as telas a luta de seu povo, e assim nasceu, em 1971, Sweet sweetback’s Baadasssss Song, o filme responsável por inaugurar o Movimento Blaxploitation, gênero de filme feito de negros para negros.

O que foi o Blaxploitation?

Subversivo desde seu nome – black (negro) e exploitation (exploração) – o blaxploitation foi o movimento que colocou em destaques as narrativas historicamente marginalizadas da população negra dos EUA. Produzidos inteiramente por negros, desde a direção até as atuações, as obras do gênero abordavam a negritude fora dos velhos arquétipos opressores impostos aos atores negros até então, os colocando agora no foco principal da trama, dando a possibilidade aos espectadores negros de se verem na tela, assumindo personas historicamente encarnadas por atores brancos.

Com o elemento racial central na produção do gênero, blaxploitation marcou a luta com uma linguagem única. A ironia na qual eram carregadas as críticas sociais, a violência gráfica e os closes dramáticos em seus personagens caracterizaram o gênero, que procurava levantar pontos de reflexão, mas sem abandonar o estilo e o humor. Todos os arquétipos empregados na tela eram pensados para provocar a audiência, desde os figurinos caracteristicamente coloridos até o cabelo black power, os símbolos da negritude eram retomados e articulados em prol da mensagem da trama.

Blaxploitation
Pôster de lançamento nos cinemas. Foto: Wikipedia

O filme Shaft, do diretor Gordon Parks, é um exemplo de destaque desse emaranhado de linguagens que foi o blaxploitation. O filme abordava a cena policial novaiorquina tendo como figura central um detetive negro que, para além da trama, era desenvolvido também como uma figura masculina com potência sobre sua própria narrativa. “Shaft”- ambientado no Harlem, subúrbio de Manhattan, em Nova Iorque, acompanhava a história desse detetive, que se envolve com a máfia italiana para resgatar a filha de um gângster negro. Ele, junto com Sweet sweetback’s Baadasssss Song, foi o marco inicial do movimento, sendo responsável pela popularização do mesmo, chegando a arrecadar cerca de 13 milhões de dólares em sua bilheteria.

Outro aspecto marcante de Shaft foi sua trilha sonora. Pensada junto com o desenvolvimento do roteiro do filme, a trilha do longa foi produzida por um dos maiores nomes da black music na época, Isaac Hayes, que ajudou a eternizar a obra rendendo uma indicação ao Oscar, em 1972, na categoria de melhor trilha sonora original, na qual ganhou a estatueta, sendo o primeiro negro a ganhar o prêmio nesta categoria.

Esse feito ajudou a consolidar a música como um elemento importante na composição dos filmes blaxploitation, fazendo da junção de trama e trilha uma tendência, como podemos ver no longa Superfly, marcado pela sua trilha inteiramente composta e executada por Curtis Mayfield, sendo considerada uma das melhores de todos os tempos pela Lista dos 200 álbuns definitivos do Rock and Roll Hall of Fame. Músicos como James Brown, Marvin Gaye, Barry White e Quincy Jones também foram nomes que se juntaram ao conjunto de compositores de trilhas no movimento e ajudaram a consolidar ainda mais essa vertente.

Protagonismo feminino no movimento 

Um marco dentro do blaxploitation foi a representação de figuras negras femininas na indústria, e na consolidação das mesmas no imaginário popular da época. Pam Grier foi a figura de destaque dessa vertente. 

Considerada a primeira heroína do gênero, junto com Tamara Dobson (Cleopatra Jones) e Carol Speed (The Mack). Ela foi protagonista dos icônicos Coffy (1973) e Foxy Brown (1974). A passagem de Pam pelo gênero foi marcada pela sua forte presença sensual e enfática. 

A representação negra feminina nas telas dos blacks movies foi importante por simbolizar a tomada de poder sobre a narrativa das mulheres negras, que na vertente caucasiana do cinema era abordada apenas como uma figura sexual, enquanto nas telas dos filmes feitos para o gueto, elas, além de sensuais, tinham suas narrativas desenvolvidas para além desse aspecto.

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A queda e o legado 

Tendo produzido cerca de 200 só nos seus dois primeiros anos, o movimento blaxploitation foi efêmero, tendo sua saturação atingida em 1976, apenas cinco anos após o primeiro filme estrear.

Embora tenha elevado a persona negra para além das representações marginalizadas nas telas, os protagonistas da história eram quase sempre criminosos, como no já citado “Superfly”, gangsters ou profissionais do sexo, como o protagonista do pioneiro Sweet sweetback’s.

Devido ao fato, os blacks movies foram duramente criticados por personalidades do próprio movimento negro, que argumentavam que esses filmes ajudavam a consolidar estereótipos negativos do povo negro, como diz Robin R. Means Coleman no livro Horror Noire (Dark Side, 2019). “Os filmes foram condenados por líderes de opinião negros em todo o espectro político por causa de seus estereótipos criminais e identificados, com razão, como produtos de estúdios, escritores e diretores brancos, ainda que os filmes se mostrassem populares, principalmente entre os negros que apreciavam ver personagens e comunidades negras na tela”.

Além desse fato, é importante mencionar a resistência da audiência branca ao gênero, que via o movimento como vulgar e pejorativo, assim como Hollywood (também branca) se viu infeliz com o status que o gênero estava alcançando.

Com as críticas e divergências entre os diferentes públicos dentro da comunidade, o investimento nos filmes foi diminuindo gradativamente, até as obras perderem força e as produções serem encerradas.
Mas mesmo com os problemas, o blaxploitation impactou a indústria e marcou a vida de inúmeros jovens negros que hoje carregam e propagam a herança deixada pelo movimento como os cineastas John Singleton e Spike Lee, diretores de Boyz n tha hood (1991) e Faça a coisa certa (1989), filmes que marcaram a retomada do irônico e despojado estilo eternizado pelo movimento, sendo Spike um expoente de destaque, empregando os clássicos aspectos estéticos iconizados pelo movimento em suas obras na contemporaneidade do cinema negro. Seu último longa, Infiltrado na Klan, de 2018, é um ótimo exemplo disso, onde a referência entra no campo da metalinguagem e o blaxploitation chega a ser mencionado em um diálogo no meio do longa.

Ana Beatriz Lisboa

Ana Beatriz Lisboa

Editora em formação, comunicadora por paixão. Ana Beatriz é estudante da escola de comunicação e artes e tem a comunicação como sua forma de expressão, sua arte

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