O acesso à educação e ao mercado de trabalho sempre foram gargalos sociais muito discutidos no Brasil, principalmente quando se envolve jovens negros e periféricos. Eles têm uma maior dificuldade de acessar as duas plataformas no país.
A pesquisa “Injustiças estruturais entre jovens na cidade de São Paulo”, realizada pelo Juventudes Potentes, em parceria com a Rede Conhecimento Social, revela que 38% desses jovens já se sentiram prejudicados, de alguma forma no mercado de trabalho, por conta da cor da pele.
A pesquisa, que escutou 600 jovens das zonas Sul e Leste da cidade, com idades entre 15 e 29 anos, contou com a participação das juventudes não apenas como respondentes, mas também como pesquisadores.
O estudo revela ainda que nove em cada 10 entrevistados acreditam que “existe um processo de desigualdades sociais históricas que atinge algumas pessoas e grupos e as mantém em condições menos favoráveis que outras”.
Acesso ao Mercado
Os desafios de acesso ao mundo do trabalho e às boas oportunidades de emprego são inúmeros para as juventudes que vivem nas zonas Sul e Leste de São Paulo: 42% deles começaram a trabalhar antes dos 16 anos, ou seja, ainda em idade escolar.
Apesar de 64% desses jovens serem economicamente ativos, mais da metade (54%) acredita que existem poucas vagas perto de onde moram. Para concorrer a oportunidades mais distantes, 26% afirmaram que já tiveram que mentir sobre o bairro em que moram para conseguir emprego.
Em relação aos processos seletivos, os jovens relatam que este é outro ponto de atenção. Segundo eles, , as empresas deveriam promover processos mais transparentes, inclusivos e com retorno sobre seu desempenho ou inadequação à vaga.
45% dos respondentes afirmam que já se sentiram desrespeitados em algum processo seletivo e acreditam que não são avaliados pelas capacidades e potencial, mas, principalmente, com base em suas características pessoais e sociais estigmatizadas.
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Apesar de 84% viverem em regiões com infraestrutura urbana, ainda é comum a falta de água, luz e alagamento, situação apontada especialmente por juventudes negras. Além disso, 42% levam mais de uma hora para chegar ao centro e 60% já se sentiram prejudicados por passar muito tempo no transporte.
Educação
O estudo revela também outra face cruel para os jovens que vivem nas periferias das Zonas Sul e Leste da capital paulista: as dificuldades na educação. 21% já abandonaram as salas de aula por dificuldades de conciliar estudo, trabalho e demais responsabilidades do lar.
Dos que já pensaram em largar os estudos (44%), o motivo mais predominante é a maternidade e paternidade: 38% dos jovens são mães ou pais (sendo 37% deles antes dos 17 anos) e 39% disseram assumir sozinhos a responsabilidade pelo cuidado do(s) filho(s).
Apesar dos desafios, 78% pretendem continuar ou retomar os estudos. Isso porque visualizam na educação uma oportunidade de crescimento e qualificação profissional. Hoje, em seus territórios, a realidade mais próxima que veem de continuidade dos estudos são cursos livres na área em que trabalham.
Para Harika Maia, Diretora de Projetos da Rede Conhecimento Social, a construção coletiva da pesquisa é um diferencial do estudo. Jovens e profissionais da área de juventudes colaboram com a concepção da pesquisa, a análise de dados e evidências encontradas.
“Realizar pesquisas com criação coletiva é uma experiência rica. O resultado é uma pesquisa que traz a percepção de jovens sobre sua realidade e gera sensibilização e engajamento de todos os atores participantes do ecossistema da inclusão produtiva. Garantimos, assim, maior chance de uso dos dados para incidência política e melhora na qualidade de vida de jovens na cidade”, pontua.
Nayara Bazzoli, Gerente do Juventudes Potentes, aponta que o levantamento mostra que a falta de acesso das juventudes é interseccional e as variáveis influenciam na reprodução das injustiças estruturais.
“A pesquisa mostra que as principais injustiças são vivenciadas por jovens com baixa renda domiciliar, mulheres, negros, LGBTQIAPN+ e com filhos. Com isso, é importante que a sociedade se conscientize dessa realidade e proponha planos de ação articulados”, ressalta.
“É imprescindível criar políticas intersetoriais e entre diferentes atores do ecossistema do mundo do trabalho para construir, de forma conjunta, mecanismos de superação das desigualdades sociais e promoção de qualidade de vida a esses jovens, com direito à projeção de futuro, escolhas e dignidade”, finaliza.
A pesquisa ouviu 600 jovens das Zonas Sul e Leste de São Paulo, sendo 50% masculino e 50% feminino. A maioria dos jovens tem entre 20 e 24 anos (36%). Em seguida, 35% têm entre 25 e 29 anos; 17% possuem entre 15 e 17 anos e 12% têm de 18 a 19 anos.