A atriz, apresentadora e comediante Micheli Machado, que está no ar com a personagem ‘Chininha’, na novela “Todas as Flores”, falou com exclusividade com o Notícia Preta sobre sua carreira tanto como atriz mas também como comediante, seus trabalhos e projetos atuais, e a importância de debater sobre a questão racial e os direitos femininos, que são temas importantes para Micheli.
“Nem tudo foi fácil, pelo contrário. Foi bem difícil conseguir lidar com o preconceito das pessoas, que não acreditavam que eu não poderia ser artista, falavam pra minha mãe que isso nunca ia acontecer por eu ser preta. E hoje me sinto realizada por saber que desde cedo estou construindo uma jornada de sucesso, pautada em esforço, dedicação e comprometimento“, conta a atriz.
A artista começou a trabalhar logo aos 12 anos. “Meu primeiro comercial para TV foi para a boneca Barbie, brinquei tão animada com ela que conquistei o papel. Eu encarava tudo como uma grande brincadeira. Depois fui uma Angelicat, assistente de palco no programa da Angélica“.
Mas apesar do que podem acreditar, ela fala que isso não a afetou de forma negativa. “Por ter iniciado cedo a minha vida profissional, tive a oportunidade e mais tempo para me aprimorar e me descobrir artisticamente. Isso me ajudou a estruturar o que eu queria, sobretudo na carreira de atriz, que é algo tão dinâmico, exigindo de nós sempre aperfeiçoamento em diversas áreas de atuação, com muito foco e disciplina“.
A atriz que está em “Todas as Flores”, afirma que esse foi o trabalho que lhe proporcionou mais visibilidade. “Gerou uma repercussão imensa quando estreou na Globoplay e agora na TV aberta, o sucesso continua. Sou parada nos lugares, as pessoas querem saber da Chininha, dão palpite, é muito gostoso e me sinto realizada por estar em um projeto com tanta gente incrível, num formato inovador. Acho que é a primeira vez que eu tenho tanta notoriedade assim, sabe? De ser parada nas ruas, em restaurantes, em aeroportos e tudo mais“.
E esse reconhecimento acontece por conta da sua personagem, a Chininha, que assim como ela em um determinado período da vida, sonha em ser atriz. Por conta disso, Micheli diz que se identifica muito com ela e com algumas das dificuldades que ela enfrenta ao longo da trama.
“Me identifico muito com a história da Chininha, porque sei que não é fácil ser preta e periférica e conseguir conquistar os seus sonhos. Na minha infância enfrentei muitos comentários preconceituosos de outras pessoas que impactaram negativamente na minha autoestima e me fizeram duvidar da minha capacidade“, relembra. Além disso, ela também pontua algumas questões importantes levantadas pela novela, a partir de sua personagem.
“A gente trouxe um tema que é sempre muito atual, que são essas agências e esses falsos diretores que brincam com os sonhos das pessoas de serem modelos, de serem atrizes, enfim, de querer uma carreira no meio artístico. E prometem mundos e fundos. Muita gente gasta muito dinheiro, um dinheiro que não tem“, explica.
Debate e Comédia
Mas para além do do seu trabalho como artista, Micheli acredita também na importância de atuar em prol da questão racial e também das mulheres. “É uma posição de responsabilidade e de muita luta! Mas fico feliz por ser uma pessoa de referência para outras e outros que vieram de onde eu vim“. Micheli é casada com o ator, comediante e cantor Robson Nunes e afirma que trabalha muito essas questões com a filha do casal.
“Eu faço esse trabalho dentro de casa também com a minha filha Morena, de 11 anos. Ser mãe é desafiador, ser mãe preta de uma filha preta é ainda mais desafiador. O meu principal objetivo é exatamente evitar que comentários como o que eu sofri na infância afetem ela como me afetou, e sempre destacar o quanto ela é linda exatamente como ela é e que cada vez mais ela se empodere e saiba a importância da representatividade preta na sociedade“, afirma a atriz.
Exatamente por acreditar no seu potencial independente das dificuldades, Micheli sempre fez questão de se impor. Mas no começo, não foi assim. “Antes de me encontrar no humor, sempre ouvi coisas como ‘só é bom ator quem faz drama, pois tem profundidade’. Mas depois entendi que isso fazia parte da indústria, que não leva o humor e o comediante a sério e, no início, inconscientemente, agarrei-me nessa percepção“.
Mas depois que passou a ver na comédia, possibilidades, Micheli não parou mais. “Sou a primeira mulher preta da América Latina a ter um especial de stand up em um streaming, “O Lugar de Mulher”, na Netflix. Humor também é política. Não pode ser uma gargalhada vazia, tem que fazer pensar, pelo menos na minha opinião“, conta a atriz, que explica sobre quais assuntos gosta de tratar em suas piadas.
“Uso o humor para falar de assuntos importantes e criar reflexões nas pessoas. Analisando a minha trajetória no stand-up até aqui, fico muito orgulhosa. Quero continuar inspirando mulheres negras a conquistarem seus espaços“, pontua.
E pensando nas mulheres dentro desse meio, Micheli cria o “Humor de Salto Alto”. “Ele foi o primeiro e único grupo no formato original de stand-up formado só por mulheres no Brasil. Foi indicado pela Folha de São Paulo como um dos melhores shows de stand-up do Brasil“, conta ela, orgulhosa do projeto, contando a principal missão dele:
“Durante todo seu período de existência, nós fazíamos questão de acabar de vez com aquela velha história machista de que a mulher pra ser engraçada tem que ser feia ou mal amada. Nós éramos mulheres fortes com um ótimo senso de humor e muita criatividade. Mesmo com o fim do grupo, acho que ele teve muita importância no combate a esse domínio masculino na comédia, mas a luta continua“.
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