Lideranças femininas são ameaçadas de morte em reserva extrativista

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 “Eu falei pra ela que se ela não cumprisse com a palavra dela, eu ia meter um projétil no miolo dela pra ela respeitar”, diz a voz masculina que, segundo apurou a Amazônia Real, pertence a Eldo, um extrativista e pastor da comunidade “Prainha do Maró”, em Santarém (PA). Já “ela” é Maria José Caetano Maitapu, indígena do povo Maitapu do Alto Rio Tapajós e atual presidente da Associação Tapajoara. Seu nome foi citado em áudio que circula em grupos de Whatsapp com ameaças a lideranças indígenas.

Auricélia Arapium, indígena do povo Arapium e coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), e Maria Ivete Bastos dos Santos, presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR), também foram citadas pelo pastor Eldo. As três lutam para proteger a Reserva Extrativista Tapajós – Arapiuns, alvo constante de madeireiros interessados nos mais de 600 mil hectares de floresta preservada. 

Auricélia Arapium, coordenadora executiva do Cita. Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real

As recentes ameaças surgiram depois que as três lideranças começaram a percorrer o território para explicar às comunidades a importância do protocolo de consulta prévia livre e informada, instrumento garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O dispositivo é reconhecido pelo sistema jurídico nacional, que garante a consulta das comunidades tradicionais e originárias sobre qualquer intervenção em seus territórios que as afete direta ou indiretamente.

No caso da Resex Tapajós-Arapiuns, esses protocolos de consulta servirão de proteção legal às 85 comunidades, entre elas indígenas de vários povos e extrativistas. Eles funcionarão como garantia de que os planos de manejo florestal dentro dos limites da reserva obedecerão às regras decididas pelas comunidades, com suas especificidades e seus questionamentos.

“Essa ameaça veio como resposta pelo fato da gente está defendendo a criação dos protocolos de consulta prévia livre e informada, como manda a Convenção 169”, explica Maria Maitapu. Os termos contidos nos protocolos, na prática, criam impeditivos aos extrativistas que possuem acordos ilegais com empresas madeireiras que atuam na região, segundo a líder indígena Auricélia Arapium.

Machismo e misoginia

Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, Auricélia Arapium disse que elas sofreram uma ameaça machista. “Se fossem homens que estivessem à frente das organizações, talvez isso não tivesse acontecido. Estamos sendo ameaçadas e intimidadas por um bando de macho”, afirma. 

“Enquanto mulher, enquanto mãe, é muito dolorido. Porque a gente está lutando aqui pela preservação da vida. Em pleno mês das mulheres a gente se depara com uma ameaça dessas. A gente luta para ser reconhecida como as mulheres que nós somos e não para seguir sendo vítimas de violências”, lamenta ela, lembrando o 8 de março.

Ivete Bastos também pontua o machismo e a misoginia como algo comum na luta social. “Essas ameaças atravessam o tempo. Eu já chorei muito com a morte de companheiras e a ausência daquelas que saíram da luta por medo.” Ela já viveu cerca de dez anos sob proteção policial por conta da violência decorrente de conflitos agrários no Tapajós.

Maria Ivete Bastos Dos Santos, presidente do STTR. Foto: Holde Schneider/ Greenpeace

“Eu não consigo nem decorar a quantidade de ameaças que já recebi. Fazemos uma luta em prol da maioria e não podemos pagar com a própria vida. Ninguém está aqui para virar mártir, mas para defender o direito coletivo dos povos da Resex”, afirma.

“Nestes dias que antecedem o Dia Internacional da Mulher, repudiamos todas as formas de machismo e misoginia expresso de forma desordeira e imoral na tentativa de calar a voz de nossos líderes em detrimento da usurpação dos recursos naturais para o comércio ilegal”, diz o Cita em nota divulgada nas redes sociais.

“A luta em defesa da terra é garantia plena para que as gerações vindouras tenham a chance de continuar usufruindo de tudo que nossos ancestrais cuidaram até aqui, fazendo de nós, co-responsáveis por sua manutenção e sustento”, diz ainda a nota do conselho indígena.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), também manifestaram, em nota, solidariedade e apoio às lideranças ameaçadas.

Maria José Maitapu, presidente da Associação Tapajoara. Foto: Reprodução/ Redes sociais

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), na pessoa de Jackeline Nóbrega Spínola, responsável pela gestão da Resex Tapajós-Arapiuns, disse à reportagem que as ameaças ainda não tinham chegado formalmente ao órgão e que repudia toda forma de ameaça e violência.

O Ministério Público Federal (MPF) foi acionado e, segundo apurou a reportagem, acionou a Polícia Federal (PF) sobre as ameaças e possível atentado às lideranças. A PF já iniciou as investigações.

Fonte: Amazônia Real

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