A 1ª Vara Criminal da Comarca de Porto Seguro determinou a soltura do cacique Suruí Pataxó, da Terra Indígena Barra Velha, no extremo sul da Bahia. Preso desde 2 de julho durante uma operação da Força Nacional de Segurança Pública, o líder indígena era acusado de integrar uma organização criminosa. O juiz William Bossaneli Araújo, no entanto, considerou que não existem provas suficientes que justifiquem a prisão preventiva. A informação foi dada em primeira mão pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
O pedido de liberdade havia sido apresentado em conjunto pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE) e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A decisão substituiu a prisão por medidas cautelares: o cacique terá de comparecer periodicamente à Justiça, não poderá sair da comarca sem autorização, cumprirá recolhimento domiciliar noturno e está proibido de contatar testemunhas e adolescentes que estavam com ele no momento da prisão.
O magistrado ressaltou que, mesmo após investigações com escutas telefônicas, “não subsistem elementos concretos que vinculem o réu a organização criminosa”. Ele também destacou que manter o indígena preso preventivamente representaria uma punição mais severa que a eventual pena final, o que configuraria “evidente desproporcionalidade”.
Outro ponto considerado foi o estado de saúde do cacique e as ameaças de morte que ele enfrenta por sua atuação política, fatores que levaram à sua inclusão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Bahia (PPDDH/BA).
Prisão e defesa
Suruí foi preso em flagrante por porte de armas. Lideranças Pataxó afirmaram que o material havia sido apreendido em áreas retomadas dentro da TI Barra Velha e seria entregue às autoridades. A defesa argumentou que o cacique possuía porte de armas, o que legitimaria o transporte.
Para a assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Lethicia Reis, a situação expõe falhas de proteção: “a primeira questão mais evidente e grave é que ele é ameaçado de morte e integra o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH/BA), mas para ele nunca foi oferecida a proteção devida mesmo diante de denúncias não só estadual, mas em âmbito nacional e internacional. Por isso ele decidiu ter um porte de armas”.
A DPE também argumentou que o porte estava amparado pela “excludente de ilicitude do estado de necessidade”, dado o contexto de ameaças.

Questionamento de competência
Inicialmente, a Comarca de Porto Seguro decretou a prisão sob o argumento de que o caso não estava relacionado à questão indígena. O Cimi contestou esse entendimento e apontou que, pela Constituição, a competência seria da Justiça Federal. O próprio Ministério Público Estadual (MPE) acabou retirando o pedido de prisão preventiva, reconhecendo que se tratava de criminalização de uma liderança indígena. Sem acusação, a Justiça decidiu pela revogação da prisão.
Mobilização nacional e internacional
A prisão de Suruí gerou reação ampla. Lideranças indígenas acionaram o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e organismos internacionais. A situação também chegou à diplomacia europeia. Uruba Pataxó, vice-cacique da TI Barra Velha, esteve em países da Europa em agosto para denunciar violações de direitos, inclusive a prisão do cacique.
Durante as agendas, Uruba afirmou: “A prisão do cacique Suruí foi premeditada por questão política por ele ser uma liderança do movimento indígena. Suruí nunca compactuou com tráfico, grilagem ou invasão de terras. Mesmo assim, passou a ser difamado. Colocaram-no ajoelhado, humilharam-no. Torturaram Suruí”. Ela também relatou que o líder foi ameaçado de morte na prisão e ficou sem atendimento médico adequado, embora sofra de hipertensão.
Contexto de violência e disputa por terra
O povo Pataxó reivindica a demarcação da TI Barra Velha do Monte Pascoal, identificada pela Funai em 2008, com 52,7 mil hectares. Sem avanço oficial, as comunidades iniciaram autodemarcação, o que gerou reação violenta de fazendeiros, incluindo assassinatos de indígenas e ataques com milícias privadas.
Apesar de pedirem a presença da Força Nacional, os indígenas foram surpreendidos em julho pela ação que resultou na prisão de Suruí. Em nota, o Conselho de Caciques classificou a detenção como “ação arbitrária, injusta e premeditada” e criticou a impunidade de crimes contra indígenas na região.
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