Empresária Cynthia Paixão, fundadora da Afrocentrados Conceito, aponta como a chegada do inverno agrava desigualdades estruturais no varejo e reforça os impactos da falta de acesso ao crédito para negócios liderados por pessoas pretas
A chegada do inverno no Hemisfério Sul, na última sexta-feira (20), deve provocar uma retração econômica de R$ 50 milhões no varejo brasileiro, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Embora a inflação global siga estável, com previsão abaixo de 2% na zona do euro segundo relatório do Banco Central Europeu, o cenário interno brasileiro impõe desafios adicionais, especialmente para empreendedores negros.
As projeções negativas da CNC apontam que a elevação de até 2°C nas temperaturas médias do país deve impactar diretamente as vendas nos segmentos de vestuário, calçados e acessórios. E quem mais sente esse impacto são os microempreendedores negros, que já enfrentam maiores dificuldades no acesso ao crédito e operam majoritariamente na informalidade.
Segundo Cynthia Paixão, fundadora da Afrocentrados Conceito e referência no afroempreendedorismo, o fim da expectativa de aquecimento nas vendas de inverno traz riscos diretos ao fluxo de caixa de negócios liderados por pessoas pretas. “Apesar das projeções animadoras no mercado internacional, aqui no Brasil o cenário é outro. A maioria dos empreendedores negros não tem acesso facilitado a crédito, e o endividamento familiar crescente reduz ainda mais o consumo”, alerta.

Dados do Sebrae e da FGV revelam que 35% dos empreendedores negros possuem dívidas ou empréstimos em atraso, contra 27% dos empreendedores brancos. Além disso, muitos desses negócios estão localizados em regiões periféricas com pouca infraestrutura, o que agrava ainda mais os efeitos das sazonalidades do mercado.
Cynthia destaca ainda que o varejo é a terceira principal área de atuação do afroempreendedorismo no país e que 52% dos negócios negros atuam diretamente no modelo B2C (da empresa para o consumidor). Com a queda no consumo durante o inverno, esses empreendedores ficam mais expostos à instabilidade econômica. “É preciso planejamento, criatividade e uma escuta ativa das necessidades do público. Trabalhar com pré-vendas, colaborações comunitárias e estratégias digitais pode ser a chave para atravessar esse período”, sugere.
À frente de iniciativas como o Ayô Circuito AfroColab, Afrodonas e a recém-lançada VilaAfroJunina, Cynthia apoia mais de 100 empreendedoras negras com mentorias e formação em marketing e design. Para ela, a solução não está em esperar a melhora do mercado, mas em reagir com inteligência coletiva: “Compartilhar espaços, logística e até audiência é o que pode garantir a sobrevivência dos nossos negócios.”
Enquanto os índices macroeconômicos internacionais podem parecer positivos, a realidade brasileira, atravessada por desigualdades raciais e econômicas históricas, exige um olhar mais atento. O inverno não esfria apenas as temperaturas: esfria também o caixa de quem mais luta para aquecer a economia nas bordas do sistema.