A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), que atuou entre 2004 e 2017, deixou como legado vergonhoso um número significativo de crianças abandonadas por soldados, frutos de relações abusivas, segundo apuração do Brasil de Fato. Oito anos após o fim da operação, a impunidade para os crimes sexais cometidos por militares permanece.
Um estudo das pesquisadoras Sabine Lee, da Universidade de Birmingham, e Susan Bartels, da Universidade de Ontario, citado pelo Brasil de Fato, ouviu 2,5 mil haitianas e registrou 265 casos de crianças geradas por integrantes da missão. Desse total, soldados brasileiros foram apontados como pais em 21,9% das situações, o equivalente a 53 crianças. Os relatos frequentemente envolvem coerção, abuso sexual ou a troca de sexo por pequenas quantias em dinheiro ou comida, como ilustra o caso de Janila Jean, que engravidou aos 16 anos após ser estuprada por um militar brasileiro.
O Brasil, que liderou a Minustah e foi o maior contribuinte de tropas, enviando 37.449 militares, enfrenta apenas 52 investigações no judiciário militar relacionadas à missão. Nenhuma delas trata de crimes sexuais. Conforme análise da pesquisadora Fernanda Cavalcante de Barros, da Universidade de Ruhr, na Alemanha, os dados sugerem um “ocultamento intencional” de informações pelo governo brasileiro para preservar sua imagem internacional.

Ricardo Seitenfus, professor de Relações Internacionais, afirmou em entrevista ao veículo que a surpresa não está nos abusos, mas no fato de que “nada aconteceu após as denúncias”. Ele criticou a postura da ONU, dizendo que a criação de uma ouvidoria foi uma medida “para inglês ver”, sem resultados práticos, especialmente porque as vítimas, em sua maioria muito pobres, não tinham recursos para sustentar suas acusações.
David Oxygène, integrante do movimento popular haitiano Moleghaf, revelou que a entidade presta assistência a 40 ou 50 mães solo abandonadas por militares, a maioria brasileiros. “Soldados do Brasil deixaram filhos no Haiti, uma vergonha. A lei, seja no Haiti ou no Brasil, não permite isso”, declarou. Questionado sobre aspectos positivos da missão, foi taxativo: “Uma força de ocupação não tem nada positivo, ela serve para oprimir”.
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