“Foi apenas uma decisão de direção de arte.” Foi assim que o apresentador Luciano Huck respondeu à repercussão de um vídeo de bastidores em que orienta indígenas do Parque Indígena do Xingu a esconderem celulares durante uma gravação. A fala, registrada em agosto e divulgada recentemente, mostra o apresentador pedindo que aparelhos e roupas “comuns” não apareçam nas cenas, afirmando que os objetos “mexem na cultura original” dos povos retratados.
No vídeo, Huck aparece instruindo uma liderança indígena: “Quanto mais celular de vocês aparece, menos é a cultura de vocês. Quando tiver gravando, se vocês puderem segurar o celular, quem tiver que ver valoriza mais vocês”. As imagens rapidamente viralizaram e provocaram críticas nas redes sociais, especialmente de pessoas indígenas e pesquisadores que apontaram a reprodução de estereótipos sobre povos originários.

Nas redes, usuários classificaram o episódio como “visão eurocêntrica” e “o homem branco querendo ensinar o indígena a ser indígena”. Para movimentos indígenas, a fala reforça uma lógica colonial que exige que povos originários performem uma imagem congelada no passado, apagando sua presença contemporânea, seu uso de tecnologias e suas estratégias próprias de comunicação e resistência.
Em nota oficial, a assessoria do apresentador afirmou que o pedido foi apenas um ajuste técnico para não atrapalhar o trabalho de filmagem. Huck declarou ter uma “relação de décadas” com povos indígenas e afirmou que jamais interferiria nos modos de vida ou nas escolhas culturais das comunidades. “Sempre defendi que essas decisões pertencem exclusivamente aos próprios povos indígenas”, diz o comunicado.
LEIA TAMBÉM: Governo brasileiro anuncia demarcação de dez terras indígenas
Apesar da justificativa, especialistas em antropologia e comunicação apontam que o caso evidencia uma tensão estrutural na forma como a mídia retrata povos originários. No Xingu, região que abriga povos como Kuikuro, Kalapalo, Waujá, Mehinako, Kayabi, entre outros, celulares são ferramentas de registro, denúncia e articulação política, usadas para monitorar invasões, registrar violações e fortalecer redes comunitárias.
A polêmica reacende o debate sobre a representação indígena no audiovisual e sobre a necessidade de produções que respeitem a autonomia dos povos, sem reforçar exotização ou estereótipos romantizados. Para lideranças do Xingu, mais urgente que esconder celulares é garantir território, saúde, segurança e voz, temas frequentemente invisibilizados quando a narrativa externa tenta moldar como a cultura indígena deve aparecer diante das câmeras.









