Uenni se tornou a primeira mulher negra a conquistar o primeiro lugar no Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, promovido pelo Iphan
A fotógrafa pernambucana Wenny Mirielle Batista Misael, conhecida artisticamente como Uenni, conquistou o primeiro lugar na 2ª edição do Prêmio Mário de Andrade de Fotografias Etnográficas, na categoria Série Fotográfica, com a obra “Canjerê dos Pretos Velhos na Jurema Sagrada de Pernambuco”. Autodidata desde os 15 anos e parte ativa da comunidade religiosa retratada, Uenni apresenta em seu trabalho uma visão íntima e respeitosa de um dos rituais mais emblemáticos do terreiro Ilé Asé Orìsanlá Tàlàbí, popularmente conhecido como Terreiro Axé Talabi, localizado em Paratibe, Paulista.
O projeto, composto por registros realizados ao longo de dois anos consecutivos, retrata com sensibilidade a profundidade do Canjerê de Preto Velho, um ritual que celebra a sabedoria ancestral e a força dos Pretos Velhos na Jurema Sagrada. As imagens capturam momentos carregados de simbolismo: pés descalços tocando o chão de barro, velas iluminando o altar e a ialorixá Mãe Lú entoando cânticos que ecoam tradições ancestrais. Na descrição da série, Uenni define o Canjerê como um “encontro com o sagrado enraizado nas terras pernambucanas”.
O reconhecimento de Uenni no prêmio é ainda mais significativo, considerando a dimensão nacional do concurso, promovido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura do Governo Federal.
“Eu nunca imaginei que fosse sequer receber uma menção honrosa, considerando a dimensão nacional do prêmio. Não tenho diploma que comprove que sou fotógrafa, nem os melhores equipamentos do mundo. Muito menos a possibilidade de viver fotografando o que gosto, que é terreiro. Mas tenho a fé, a espiritualidade e o desejo de continuar me movimentando sem passar a perna em ninguém”, revela Uenni de 26 anos, que começou a ganhar dinheiro com a fotografia a partir dos 19 anos.
O terreiro Ilé Asé Orìsanlá Tàlàbí tem um histórico de reconhecimento cultural, sendo declarado Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco em 2023 e Patrimônio Histórico e Cultural de Origem Africana e Afro-Indígena Brasileira do Município de Paulista em 2021. A relação de Uenni com o terreiro é profunda e direta, conferindo à sua obra um olhar autêntico e visceral.
“Sou imensamente grata ao Terreiro Axé Talabi por tudo, especialmente pela autorização para o uso das imagens. Mesmo sendo fotógrafa, isso não me concede o direito de divulgar esses registros sem a devida autorização. Não posso, e nem quero, reproduzir as mesmas práticas colonizadoras da branquitude”, declara Uenni.
Os Pretos Velhos, centrais na Jurema, são invocados no Canjerê através de orações, cânticos e pontos riscados, compondo uma verdadeira sinfonia de fé e resistência. O trabalho de Mãe Lú, como guardiã dos saberes e das práticas, também é evidenciado pela lente de Uenni, que celebra a força e o protagonismo das mulheres nas lideranças religiosas. “Ser reconhecida por este prêmio, um dos mais importantes no campo dos registros etnográficos no Brasil, é uma honra. O Canjerê dos Pretos Velhos é um símbolo da espiritualidade, resistência e memória que marcam a Jurema Sagrada em Pernambuco”, completa ela.
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