O Exército Brasileiro abriu um edital de concurso público para preenchimento de diversas vagas e, dentre elas, constam duas vagas para Padre Católico Apostólico Romano e uma para Pastor Evangélico. Ao todo, o Edital CFO-QCM disponibiliza 47 vagas.
Porém, líderes religiosos entendem essa prática como um “favorecimento explícito de determinadas religiões, o que contraria o princípio de laicidade do Estado”. Segundo Tata Kasulembe, ao não incluir vagas para líderes de religiões de matrizes africanas, o concurso perpetua a discriminação e reforça estereótipos negativos que já afetam essas comunidades.
“Além de violar a laicidade do Estado, essa prática cria uma hierarquia de religiões, onde algumas são consideradas mais dignas de representação e oportunidades no serviço público do que outras. Isso não só exclui membros de outras religiões e aqueles que não têm religião, mas também enfraquece a rica diversidade cultural do país”, pontua o líder.
Tata Kasulembe lembra ainda que, além do privilégio em relação ao concurso público, existem outros pontos de favorecimento de religiões como católica e evangélicas, como as isenções fiscais que são direcionadas apenas a essas correntes religiosas.
“Pertenço a uma comunidade de terreiro devidamente regularizada desde 1980, na cidade de Santa Luzia. Estamos há pelo menos três anos tentando conseguir as isenções municipais; cada dia é um impedimento novo, cada momento é uma questão nova. Tenho certeza de que diversos outros templos, de outros segmentos religiosos, com muito menos tempo de existência que nossa comunidade e com muito menos legalidade, já conseguiram, mas no nosso caso, a cada dia é uma questão diferente”, lamenta.
“Nesse caso, as amarras financeiras religiosas vêm no mesmo modelo da meritocracia, ou seja, o benefício está aí, só não alcança quem não quer. Perante o estado democrático de direito, a lei está aí, está no papel, só não alcança quem não quer. É como colocar uma Ferrari na vitrine e falar comigo e com o Miguel Gutierrez (ex-CEO das Americanas): ‘A Ferrari está aí, quem quiser pode comprar’”, completa Kasulembe.
Sentimento de indignação
No ano de 2023, o Brasil registrou um aumento de 80,7% nos casos de denúncias de intolerância religiosa, em relação a 2022, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e o Disque 100. Kasulembe reforça que, diante dos números, o próprio Estado pratica o crime de intolerância religiosa.
“O primeiro sentimento que nos aparece é o de desolação, indignação ou revolta, por saber que aquilo que deveria ser um instrumento de inclusão é utilizado como ferramenta para excluir. Entretanto, penso que o maior sentimento a ser carregado é o de ingratidão. Ingratidão por parte de um Estado que nunca reconheceu plenamente nosso valor, mas que, em muitos momentos, foi sustentado pelos nossos esforços”, afirma.
Ainda segundo ele, cada terreiro de Candomblé, Umbanda e demais religiões de matrizes africanas funciona como um braço do Estado, preenchendo lacunas onde o Estado se mostrou incapaz de chegar.
“Cada pessoa que foi atendida em um espaço de terreiro com um problema de saúde e saiu curada representou um atendimento que o sistema público de saúde não conseguiu fornecer. Cada indivíduo que buscou um terreiro para resolver problemas familiares, psicológicos ou afetivos e encontrou soluções que o Estado não pôde oferecer por meio dos CAPS, é um exemplo da nossa contribuição contínua”, aponta Kasulembe.
Apoio parlamentar
Atualmente, a chamada “Bancada Evangélica” na Câmara dos Deputados conta com 90 parlamentares, ou seja, praticamente 20% dos deputados federais eleitos em 2022 legislam explicitamente em benefício do segmento religioso que eles representam.
“Se isso não é um racismo religioso institucional escancarado, não sei mais o que é. Basta rastrearmos os principais destinatários das emendas parlamentares e fazermos uma separação por segmento religioso. O que queremos é nada mais, nada menos que a obrigação do Estado: fornecer-nos condições de igualdade”, analisa.
“A exclusão de nossas lideranças de processos que deveriam ser inclusivos reforça a marginalização e a discriminação histórica que sofremos. Isso não apenas fere nossos direitos constitucionais, mas também desvaloriza a imensa contribuição que damos à sociedade brasileira”, finaliza Tata Kasulembe.
A reportagem do Notícia Preta entrou em contato com a assessoria de imprensa do Exército Brasileiro, via email, que nos informou que responderia aos questionamentos até a última sexta-feira (24), mas até o fechamento desta matéria, nesta segunda-feira (27), não havia se manifestado a respeito.
O portal deixa o espaço aberto para que o órgão público se manifeste para levarmos aos leitores o seu posicionamento.