“Meu negócio significa oportunidade e superação, tanto para mim quanto para outras famílias”, diz dona de confeitaria

WhatsApp-Image-2023-03-24-at-12.33.42-edited.jpg

Foi em um momento turbulento que Lohrany dos Santos Martins começou a confeitar e criou a KML Confeitaria. Uma empresa que leva no nome as iniciais dos seus filhos, e que além de realizar encomendas, também oferece cursos na área. Hoje, o objetivo da empreendedora é ajudar a transformar a vida de outras pessoas. 

A jovem conta que o trabalho foi essencial para tirá-la do ciclo de violência doméstica que sofreu por alguns anos, e assim que pôde, resolveu ajudar outras mulheres na mesma situação. “Percebi o quanto a confeitaria tinha agregado na minha vida e resolvi ir em uma ONG que tinha na Maré pedir uma oportunidade de ensinar o que eu sabia e ajudar outras mulheres negras, da favela, a conquistarem sua independência através da confeitaria e não permanecer em um relacionamento abusivo”.

confeitaria
Dona da KML Confeitaria superou uma série de dificuldades para abrir seu próprio ateliê. Foto: arquivo pessoal – Terrinha Fotografia.

Mas apesar da vida rodeada por doces que tem hoje, Lohrany diz que trabalhar nesse ramo não estava nos seus planos, mesmo crescendo, vendo as mulheres de sua família cozinhando bolos, doces, pizzas e salgados. Na realidade, a jovem pensava em cursar medicina. “Mas esse sonho foi interrompido após eu me tornar mãe com 15 anos. A maior necessidade era trabalhar”, disse a confeiteira.

O tempo foi passando, até Lohrany começar a pensar em outras possibilidades para seu futuro. “Alguns anos depois me encontrei com 21 anos, mãe de três filhos e dentro de uma relação abusiva com agressões e sem condições de sair pra trabalhar e pagar alguém pra ficar [com os filhos], pois o custo era muito alto”. 

Foi quando seu filho mais novo completou um mês que as coisas começaram a mudar. “Começou a moda do ‘mêsversário’ e eu queria fazer, mas não tinha condições de todo mês comprar um bolo. Foi aí que decidi fazer um curso de dois dias de cake designer. Deixei as crianças em casa com o pai e fui”, conta a jovem. 

“Quando o curso finalizou, eu publiquei uma foto minha com o certificado e bolo nas redes sociais. Ali tudo mudou”. E em 2017 nasceu a KML Confeitaria, que começou em casa mesmo. Com o aumento das demandas, Lohrany decidiu que por conta da sua vivência, precisava ir além. 

confeitaria
Alunos da KML Confeitaria já no ateliê montado na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro. /Foto: Arquivo Pessoal

Por isso começou a ensinar a arte da confeitaria para outras mulheres do Complexo da Maré, que assim como ela, sofriam com a violência doméstica. “Minha bisavó, avó e mãe também viveram em um relacionamento abusivo. Na comunidade onde eu morava, assim como em outras, era muito natural ver brigas entre marido e mulher. Quando eu enxerguei que não era certo e normal, eu precisava fazer com que outras mulheres também enxergassem isso”, disse. 

A iniciativa deu muito certo. “Após a primeira aula, fechei parceria com cursos para ensinar o que eu sabia pelo Rio de Janeiro”. Mas com a separação e o rompimento do ciclo de violência, a jovem empreendedora entrou em depressão e chegou a tentar tirar a própria vida. Por conta disso, precisou se afastar dos negócios.

“Em 2019, quando voltei, recomecei do zero vendendo bolos de pote na comunidade. Logo depois retornei para as salas de aula”, conta. No início de 2020, antes da pandemia, Lohrany abriu seu ateliê, localizado na Ilha do Governador. “Hoje temos mail de 3 mil alunas e alunos formados, empreendendo e vivendo da confeitaria”, disse a empreendedora, que também afirmou que muitos ex-alunos depois se tornaram instrutores.

Empreendedorismo e Ações Sociais

Ainda que seu negócio esteja crescendo, Lohrany não esconde os obstáculos que enfrentou para montar seu ateliê. “Minha maior dificuldade em abrir meu negócio, foi a desigualdade racial e social e as pessoas que não acreditavam em mim por eu ser negra, nova e de favela”, diz a empreendedora.

A carioca também afirma que conciliar a maternidade com as responsabilidades de começar seu próprio negócio não foi fácil. “Ser mãe solo com 3 filhos também foi, e é muito difícil. Conciliar casa, filho, estudos e empresa”, explica Lohrany, que apesar das dificuldades não desistiu, por acreditar no potencial do projeto.

Leia também: Mulheres negras são as que sentem maior impacto de desigualdade no mercado de trabalho e no empreendedorismo

“Meu negócio significa oportunidade e superação, tanto para mim quanto para outras pessoas e famílias. Por isso a ideia do curso em valor popular. Para que essas mulheres da favela consigam, de fato, alcançar a qualificação para essa área que tanto cresce”, afirma a jovem. “Me sinto muito grata e honrada por tudo que tem acontecido nesses 6 anos”, completa Lohrany.

Além das encomendas e das aulas de confeitaria, a KML Confeitaria também contribui com a comunidade fazendo parcerias para realizar ações sociais. A jovem da Maré diz que por ter crescido na favela, sempre prestou atenção nas necessidades do território e sempre viu sua avó ajudando os outros, o que a motivou a fazer o mesmo. 

“Viver isso criou em mim um amor, uma preocupação pelo outro. Nessa caminhada conheci parceiros que também estavam sempre envolvidos em ações sociais e, com isso, juntei todos e propus a ideia. Eles toparam e começamos os trabalhos para ajudar a comunidade da forma que pudéssemos, sem ajuda política ou privada. Somente minha empresa e os parceiros que fiz no decorrer dos anos”.

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

Deixe uma resposta

scroll to top