“Em momento algum, eu imaginei que o morro poderia vir abaixo”, diz líder comunitária sobre tragédia-crime no Litoral Norte de SP

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Um ano e seis meses após a tragédia-crime no Litoral Norte de São Paulo, muitos moradores ainda buscam maneiras de reconstruir suas vidas depois da chuva histórica que atingiu esse território em 19 de fevereiro de 2023. Foram 640 mm de chuvas caídos em apenas 24h, causando inundações, deslizamentos de terras e mortes.

Uma dessas moradoras e líder comunitária, é Rosilene de Jesus Santos, a Nega Rose, que mora há mais de 32 anos na Rua Ricardo Queiroz, na Vila Sahy, local onde a tragédia atingiu em cheio a população. Em 2023, no Brasil, foram registrados 1.161 eventos climáticos atípicos e extremos, segundo dados do Centro Nacional de Desastres Naturais (Cemaden). Milhões de pessoas – em sua maioria, negras – foram afetadas e até hoje seguem tentando reconstruir e regenerar seus territórios.

Rose no ato do Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06/24), no centro de São Sebastião – SP. Foto: Ed Davies

Presenciei a chuva do ano passado aqui em casa, durante o feriado. Estava acontecendo a festa do Carnaval. Eu até ia sair pra lá, pra curtir um pouco a festa, mas tive um, sei lá, pressentimento e pensei: não vou, não. Fiquei em casa mesmo deitada no sofá assistindo uma série. Porém, quando fez umas 9 horas da noite, começou a chover. Uma chuva daquelas. Achei estranho porque os pingos da chuva eram muito grossos. Muito mesmo”, conta Nega Rose.

Naquele fatídico 19 de fevereiro de 2023, 64 pessoas haviam morrido em São Sebastião e uma em Ubatuba, segundo informações da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros. Além disso, milhares de pessoas ficaram desabrigadas e tiveram que ficar em redes de hotelaria privadas da região, pois não tinham para onde ir.

Em momento algum, eu imaginei que o morro poderia vir abaixo, mas quando eu comecei a ouvir pessoas gritando, por volta da meia-noite, começou a chover mais intensamente. E as pessoas ficaram assustadas. Graças a Deus, as pessoas estavam saindo de suas casas. Já tinha gente descendo, porque se não tivesse gente descendo daquele morro, a tragédia tinha sido bem maior”, lembra Nega Rose.

Rose é uma das lideranças apoiadas pelo Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) 01 ano após a tragédia-crime. Com um aporte de R$100 mil mobilizado, o fundo está fazendo o repasse da verba aos movimentos e coletivos socioambientais e lideranças comunitárias que atuam pelo direito à democracia e ao poder de decisão dos moradores. 

O valor foi arrecadado por meio da campanha “Quanto Vale: pela Reparação, Restauração e Regeneração Socioambiental do Litoral Norte de São Paulo“, conduzida pelo FunBEA. Tanto o coletivo de Rose, a União dos Atingidos, que atua em 11 comunidades da Costa Sul, quanto a Amovila- Associação de Moradores da Vila Sahy, organização que representa os moradores da Vila Say, epicentro da tragédia, foram contemplados. 

O aporte chegou na hora certa para Rose e seu movimento, que carece de recursos financeiros e não financeiros para regenerar o território. Mas, para além do recebimento da verba, é preciso entender a importância de organizações como o FunBEA nesta luta junto aos movimentos socioambientais.

Atuar em territórios pós-tragédia climática, como o Litoral Norte de São Paulo, Rio Grande do Sul, e tantos outros no Brasil, requer cuidado e muita escuta, pois a situação é complexa, com distintos interesses e visões acerca do uso da terra e de sua reparação e regeneração. Para fundos independentes, como nós do FunBEA, e demais fundos integrantes da  Rede Comuá, a missão é apoiar com recurso livre e flexível, garantindo que a solução deve ser dada por quem participa dela”, ressalta Semíramis Biasoli, secretária geral do FunBEA.

Intervenção “Artivista” pela Justiça Climática: A solução é local!

O que é? 

O FunBEA se junta ao Mês da Filantropia que Transforma 2024, um movimento promovido pela Rede Comuá  – rede que contempla 16 fundos independentes pela justiça social brasileiros- com uma ação especial de arte e ativismo no Litoral Norte de SP. 

A ação “artivista” vai reunir membros dos coletivos e movimentos socioambientais apoiados pelo FunBEA no LN de SP, território caracterizado pela Mata Atlântica ainda presente e abundante, comunidades tradicionais caiçaras, indígenas e quilombolas, e atingido em fevereiro de 2023 por um evento climático extremo: a maior chuva já registrada no Brasil que precipitou sobre a costa sul do território, deixando 65 mortos, milhares de desabrigados e o município de São Sebastião em estado de calamidade pública. 

Quando acontece? 

A ação acontecerá no dia 21 de setembro, entre 10h e 13h na Barra do Sahy, um dos bairros mais afetados do município por conta da tragédia climática. A ação reunirá especialmente membros da Amovila – Associação de Moradores da Vila Sahy – associação de bairro que há 20 anos cuida dos direitos dos moradores do bairro; União dos Atingidos, coletivo criado após a tragédia -crime para reivindicar direitos pela moradia digna e Coletivo Escambau, coletivo de arte e cultura da região, que em 2023, também com o apoio do FunBEA produziu a mostra Arte Fluidez e Sonho, um chamado para emergências climáticas na região. 

Como tudo vai acontecer? 

O coletivo Escambau como responsável artístico da ação artivista trabalhará com a proposta de um grande cortejo de 65 estandartes  (cada um simbolizando uma das vidas perdidas na tragédia) que parte da praça central da Vila Sahy em direção à beira da praia da Barra do Sahy. Na praia, os participantes vão dialogar sobre justiça climática e soluções que venham das próprias comunidades vulneráveis, principais atingidos em eventos como esse – que devem acontecer mais e mais de acordo com as previsões das mudanças climáticas. 

Essa roda de diálogos terá o FunBEA como mediador, que também traz a perspectiva da Filantropia Comunitária como alternativa para financiar essas ações locais que venham da base. 

Na praia, o FunBEA irá receber os participantes da intervenção com um espaço demarcado, com stands sobre o Mês da Filantropia que transforma com informações sobre as práticas de financiamento comunitário. 

Somando as forças para  a ação “artivista”, neste dia 21/09/24 vamos receber também os membros das novas 18 organizações que serão apoiadas pelo FunBEA nesse segundo semestre de 2024, além dos 5 novos líderes comunitários que irão receber também um apoio estratégico para continuarem seus trabalhos comunitários pela justiça climática.

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