Trabalhadores da Zona Industrial Glo-Djigbe (GDIZ) relataram ter sido trancados dentro da fábrica e forçados a fazer horas extras sob ameaça de não poderem voltar para casa. Condições análogas à escravidão foram denunciadas no maior centro de processamento de algodão do Benin, na África Ocidental em matéria dada em primeira mão pelo Brasil de Fato (BDF).
O episódio, ocorrido em 9 de maio, envolveu funcionários do turno das 15h às 23h45. De acordo com um operário que preferiu manter o anonimato, os gerentes exigiram duas horas extras adicionais, o que faria os empregados saírem apenas à 1h45 da manhã. “Não há segurança na estrada. Eles não informaram aos pais ou às famílias que voltariam depois da 1h da manhã”, contou o trabalhador ao BDF. Diante da recusa coletiva em aceitar a extensão da jornada, a ordem dada à segurança foi para trancar os portões, impedindo a saída de todos.
A GDIZ, um distrito industrial localizado a 45 km da capital econômica, Cotonou, foi criada em 2020 a partir de uma parceria entre o governo do presidente Patrice Talon e o grupo Arise IIP, fundado pelo magnata indiano Gagan Gupta. O objetivo oficial do parque é processar localmente o “ouro branco” do país, transformando cerca de 40 mil toneladas de algodão por ano e produzindo entre sete a dez milhões de peças de vestuário anualmente, impulsionando as exportações.

No entanto, Nagnini Kassa Mampo, Secretário Geral da Confederação Sindical dos Trabalhadores do Benin, critica o modelo. “Isso não é a industrialização do país. A industrialização do país significa que as indústrias pertencem ao país. É para o país que as pessoas trabalham. E, na verdade, a mão de obra lá não é uma mão de obra normal, é uma mão de obra escrava e, quando a mão de obra é escrava, o país não ganha nada”, afirmou o sindicalista em entrevista ao BDF. Mampo destacou ainda que as empresas instaladas na GDIZ estão isentas de taxas alfandegárias por 17 anos, o que, para ele, configura uma concorrência desleal.
Os relatos dos funcionários pintam um quadro de precariedade. Atraídos pela promessa de salários de 100 mil francos CFA (cerca de R$ 950), muitos recebem apenas 52 mil francos (aproximadamente R$ 495). Um trabalhador, pai de dois filhos, disse que esse valor é insuficiente para cobrir despesas básicas como alimentação e aluguel, que consome sozinho quase R$ 200. “O salário é insuficiente, as condições são miseráveis. Quando você chega, não consegue sair. Mesmo quando você tem uma emergência (…) não é fácil deixar você sair. Nós não estamos em um campo militar”, desabafou ao BDF.
As condições físicas do local também foram criticadas. Outro funcionário da área de costura descreveu um calor extremo na fábrica, com ventilação inadequada. “Colocam dois ventiladores para cerca de 50 pessoas, isso não adianta. Ficamos com muito calor com as máquinas ligadas. É um calor terrível. O calor pode matar as pessoas”, relatou. A falta de cuidados médicos adequados completa o cenário de descaso.
As denúncias ganharam visibilidade através de um vídeo publicado pelo jornal La Flamme, ligado ao Partido Comunista do Benin. Segundo os trabalhadores, os dois funcionários que aparecem no vídeo foram demitidos dias após a exposição.
O presidente Patrice Talon, considerado o homem mais rico do Benin com uma fortuna estimada em US$ 400 milhões construída no setor algodoeiro, defendeu publicamente as reformas que flexibilizaram as leis trabalhistas no país. Em um encontro com empresários franceses em 2022, Talon afirmou ter “desregulamentado totalmente o ambiente de trabalho” e limitado o direito de greve a “no máximo dois dias por mês e dez dias por ano”, reconhecendo que isso representava “um certo retrocesso em relação às conquistas e à democracia”.
O modelo de zonas industriais da Arise IIP, que se expande pelo continente africano com investimentos como US$ 700 milhões da Arábia Saudita, tem sido alvo de críticas semelhantes em outros países, como no Chade, onde a empresa é acusada de apropriação de terras camponesas.
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