A origem é comum a milhões de brasileiras: negra, pobre e favelada. Aos 14 anos, o destino fez com que ela fosse morar sozinha. E, de criança, a vida lhe fez, á força, mulher. Cria do Preventório, em Niterói, Carolina de Oliveira Lourenço queria ser policial. Virou MC. E o cenário do funk ganhou uma voz ativa, impactante e potente. Difícil de se calar. Muito menos agora, que está prestes a se fazer ouvir em um dos maiores templos do cenário musical.
Na semana passada, Mc Carol teve duas ótimas notícias – sendo uma o complemento da outra. Primeiro, fora convidada para cantar no Rock in Rio. Sua participação, no entanto, tinha como pré-requisito a aprovação no exame da Ordem dos Músicos do Brasil. E, com Ne Me Quitte Pas cantado à capela, Carol conseguiu o registro profissional e, de quebra, carimbou o passaporte rumo ao Espaço Favela, onde se apresenta no dia 27 de setembro.
Em entrevista ao Notícia Preta, a funkeira, hoje com 25 anos, comentou as recentes conquistas e passou sua trajetória a limpo. Aproveitou, ainda, para abordar temas intrinsecamente ligados a seu cotidiano, como racismo, machismo, favela e polícia. Não mediu palavras para falar da prisão do DJ Rennan da Penha – até porque, como disse, Mc Carol é voz ativa.
O feminismo tem pouca liberdade. As minhas músicas são isso, coisas que acontecem no cotidiano, e sexo acontece no cotidiano”
Rock in Rio
Não era meu sonho cantar, ser MC. Nunca imaginei isso. Na verdade, eu fui criada para ser policial, meu sonho era esse. Aí com 14 anos fui morar sozinha, e minha vida teve que mudar à força. De criança, tive que virar mulher. Entrei no funk sem querer. Subi no palco uma vez, e todo mundo gostou. Comecei cantando na Grota, em Niterói. Eu não imaginava nem sair dali pra cantar em outra favela, muito menos sair de Niterói, rodar o Brasil, ir pros Estados Unidos… Não imaginava nada disso. Eu nunca, nunca mesmo imaginei que um dia ia pisar no palco do Rock in Rio. É uma parada imensa, muita responsabilidade. Morro de medo de errar a música, sei lá… É muito louco. Estou muito feliz, muito feliz mesmo.
Representatividade
É tudo. Estou indo lá (Rock in Rio) representar as mulheres pretas, os pretos, as mulheres, as comunidades, as favelas, a minha favela… Estou levando o nome de Niterói pra lá.
Feminismo no funk
É complexo a gente falar o que pensa. É muito complicado. Racismo, feminismo… O feminismo tem pouca liberdade. As minhas músicas são isso, coisas que acontecem no cotidiano, e sexo acontece no cotidiano. Falo do meu prazer, do que eu sinto, do que eu quero e do que não quero. O Brasil é um país machista. A mulher tem que conhecer o cara, casar com o cara e só depois transar com o cara. Esse é o pensamento machista do nosso país. Eu não penso assim. Penso que sou livre. Um homem vai para uma festa, come uma mulher e nem sabe o nome dela. Isso acontece com mulheres também. A gente está com vontade de transar, a gente vai e transa! Já aconteceu comigo, de ficar com um cara ser saber o nome, sem saber de onde é. A gente transou e acabou. E eu faço isso nas minhas músicas, porque a maioria é baseada em fatos reais, em coisas do cotidiano. As pessoas falam muitas coisas na internet, mas eu falo realmente o que eu penso, o que eu vivo e o que acho.
Prisão do DJ Rennan da Penha
A prisão do Rennan é absurda! Absurda e desumana! O artista que concorda com isso está concordando com a própria prisão. O mundo artístico sempre foi visto como coisa de vagabundo. Os artistas sempre foram vistos como vagabundos, e com o funk é dez vezes pior. O funk teve uma fase bem bizarra, prenderam vários funkeiros, dançarino apareceu morto. Em 2011, quando comecei, estava muito melhor. Um monte de gente chegando, o funk entrando em vários lugares que antes não entrava: casamento, festa de 15 anos, novela, filme… Aí agora tem a prisão do Rennan. Por quê? Os motivos são absurdos. Quem não mora em comunidade enxerga ele como bandido, mas quem mora em comunidade sabe como funciona, cara. Pra quem mora, é normal. A gente quando está descendo o morro pra ir trabalhar e vê polícia subindo como sobe, atirando a esmo, a gente avisa. A gente liga pra casa e diz: “ó, não deixa fulano ir pra rua”, “ó, a polícia tá subindo, cuidado”. Isso é normal. Todo mundo que mora em comunidade faz isso.
Relação com o tráfico
Isso de cumprimentar, apertar a mão de bandido… Eu vou falar por mim. Tive uma tia que estava grávida de sete meses e foi morta lá no Morro do Preventório. Ela tinha 21 anos e foi jogada num poço pelos bandidos. E a gente que é da família tem que fingir que nada aconteceu. Tem que passar pelos caras e cumprimentar. Essa é a lei da favela. Quando eu morava no Preventório, a boca de fumo era na minha porta, e eu tinha que dar água para os caras que assassinaram a minha tia. Eu tinha que falar com eles como se nada tivesse acontecido. É assim que funciona. Eles são a lei. Se você tem dinheiro pra sair da favela, glória a Deus! Quem não quer sair da favela? Quem não quer morar em um lugar tranquilo?
Estado x Drogas
Se o Governo tivesse a intenção de acabar com o tráfico de drogas, já teria acabado com a entrada da UPP. E o que aconteceu? Morreu uma porrada de gente: polícia, bandido, inocente, e o tráfico continua. Prender MC, prender DJ, prender dançarino de funk… Vai resolver o quê? Proibir baile funk vai resolver o quê? É igual àquela música do Bezerra da Silva: “Navio não sobe o morro, doutor. Aeroporto no morro não tem”. De onde vêm as drogas? De onde vêm as armas? Tinha que cortar o mal pela raiz, e o sistema não funciona assim. O sistema não tem a intenção de cortar o mal pela raiz. O sistema tem a intenção de subir e metralhar quem estiver na rua, porque quem mora na favela é visto como vagabundo.