Com medo de morrerem infectados pelo coronavírus, privados de liberdade enviam cartas de despedida aos familiares

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64% da população prisional no Brasil é negra, segundo dados do último Infopen

O Brasil tem mais de 773 mil pessoas privadas de liberdade que estão em unidades prisionais e nas carceragens das delegacias, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Com medo de morrerem infectados pela covid-19 muitos aprisionados começam a escrever cartas para seus familiares se despedindo.

Em seu blog no portal UOL a jornalista Maria Carolina Trevisan publicou trechos de cartas enviadas pelo detentos de São Paulo à familiares. Uma das cartas enviada no dia 19 de abril dizia: “Estou apavorado com o que pode vir. Eu quero que você saiba que você foi a melhor mulher do mundo. Em tão pouco tempo me fez muito feliz e realizado, até aqui só me deu orgulho. Me sinto o homem mais feliz do mundo. Te amo e obrigado por tudo o que você fez por mim. Por ter me dado uma oportunidade de ter um filho com você. Você é uma mulher maravilhosa. Até as suas brigas estão fazendo falta. Te amo, te amo. Espero que você nunca se esqueça de mim. Porque aonde eu estiver nunca vou te esquecer”.

O sistema de justiça criminal é racista e perverso. O encarceramento em massa segue a lógica da seletividade penal privando de liberdade sobretudo, uma população jovem, negra e pobre. Prova disso é o fato de 64% da população prisional no Brasil ser negra, segundo dados do último Infopen.

Em entrevista ao Notícia Preta a cantora e ativista Preta Ferreia, presa injustamente em 2018 acusada de extorsão e associação criminosa por supostamente coagir moradores a pagarem taxas nas ocupações do centro da cidade de São Paulo, contou estar em contato com familiares de algumas detendas e todos estão com medo: “Tenho contato com a família de quem ficou para trás, das manas que cruzei enquanto estive presa. Elas estão desesperadas pois, não podem visitar quem está presa e quem está presa só tem notícias por cartas,é a demora para a chegada é longa. O covid-19 já chegou nos presídios,através de funcionários, não tem médiconem remédio. Já não tinha antes, agora então”, relata Preta.

Preta Ferreira, cantora e ativista

Preta tenta articular com diferentes esferas para que algo seja feito: “Estou tentado junto aos órgãos que lutaram para me libertar para ver a quem podemos recorrer. Uma solução é que a Defensoria pública analise os casos de pessoas que não foram julgadas,que estão de preventiva,pessoas que já cumpriram pena sem serem julgadas, pessoas do grupo de risco, idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas. As celas são super lotadas,não tem como separar essas pessoas”, explica.

As celas superlotadas não permitem o isolamento de quem apresenta sintomas. O levantamento do Depen revela que o Brasil possui um déficit de 312.125 vagas nos presídios brasileiros. Essa não é a primeira vez que faltam vagas nas prisões brasileiras. A primeira morte por covid-19 em um presídio no Brasil aconteceu no dia 15 de abril, A vítima foi um detento de 73 anos que estava em regime fechado no Instituto Penal Cândido Mendes, unidade para idosos no centro do Rio de Janeiro, segundo a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária. Uma semana depois, em São Paulo, Alberto Saad Sobrinho, de 54 anos, morreu de coronavírus antes de Justiça julgar seu pedido de liberdade.

Não há números exatos de quantas pessoas privadas de liberdade já perderam a vida vítimas do covid-19. A falta de produtos de higiene, a alimentação precária, local fechado e úmido só aumenta as doenças como pneumonia, tuberculose, entre outras, e isso agrava ainda mais o estado de saúde deles. “As pessoas privadas de liberdade não têm medo e sim certeza da morte. Elas sabem do descaso. Quando se tá preso nem existe tratamento,somos só mais um número. Nem tratam pessoas como pessoas”, diz Preta Ferreira.

A recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editada em 17 de março, é o desencarceramento dos presos que não tenham cometido crimes violentos ou com grave ameaça e que estejam em grupos de risco.
“A manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva, haja vista que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos. Além disso, é acentuada a responsabilidade do Estado em estabelecer medidas adequadas a esse cenário”, afirma nota técnica conjunta do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público, encaminhada na última terça-feira (27), diante da lenta implementação das medidas recomendadas.

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