Cordeiros alegam longa jornada de trabalho, falta de equipamento e alimentação adequada, além de agressão por parte dos foliões
Durante os dias de festa do Carnaval de Salvador deste ano, os cordeiros, responsáveis por segurar a corda em torno do trio, denunciaram condições de trabalho que constituem situação análoga à escravidão durante a folia na capital baiana. As denúncias foram feitas ao Plantão Integrado dos Direitos Humanos, do Governo da Bahia.
Cinco cordeiros foram ouvidos pelo Plantão Integrado e relataram que além das condições precárias, sofreram episódios de violência por parte dos foliões e que a categoria não contou com nenhum suporte das equipes responsáveis pelos blocos. Uma ação de fiscalização ocorreu no último domingo (02) no circuito do Dodô, no bairro da Barra, na capital baiana.

Uma das mulheres responsáveis pelo controle de pessoas em volta dos trios elétricos contou que saia de casa às 7h da manhã e retomava após a meia-noite, durante os seis dias que durou o carnaval baiano. Segundo a cordeira, o kit composto por um par de luvas e alimentos ultraprocessados que era disponibilizado pelo bloco não era suficiente para a demanda.
A cordeira ressaltou que levava água de casa, já que as quatro garrafas de 500ml que o bloco oferecia não eram o bastante para a hidratação durante um dia inteiro. A trabalhadora finalizou contando que não receberam capa de chuva e ficou completamente molhada após tomar chuva.
Já outra profissional, ao portal Terra, contou que esteve em três blocos diferentes mas que só recebeu referente a um: “Trabalhei no bloco Fissura e falaram que vão pagar depois… Deveria ter uma regra para organizar isso, ajustar um valor bom e digno. Tô chegando aqui de manhã e retornando para casa às 22h-23h da noite e ainda enfrentando dificuldades”.
Também houve relato de trabalhadores sobre os desafios com a remuneração e alimentação: “Foi a minha primeira vez trabalhando como cordeira e foi uma humilhação, um desrespeito, a própria coordenação dos blocos nos humilha. Tô ganhando R$ 100 por dia e sem transporte. A alimentação é uma porcaria, nos dão um lanche que a gente passa fome, duas águas quentes e um biscoito recheado”.
A equipe do Plantão Integrado visitou uma das instalações de um bloco tradicional e encontrou trabalhadores reivindicando melhores condições de trabalho. A Coordenação de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) vai acionar todos os órgãos responsáveis para discutir medidas de proteção e reparação dos trabalhadores que tiveram seus direitos violados. Jornada de trabalho excessiva, remuneração baixa ou inexistente e condições degradantes de trabalho como falta de água ou alimentação, condições de higiene básica e sem acesso à EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), todas essas condições são observadas para a tipificação de trabalho análogo à escravidão.
“A situação do cordeiro e da cordeira é um retrato muito fiel da violência do que é a desigualdade social. Entre a corda e os foliões tem pessoas que estão em espaços e em lógicas totalmente diferentes. Além disso, a gente também precisa lembrar que por trás da festa, existe uma enorme estrutura de trabalho, muitas vezes degradante, para que todas essas pessoas possam ir para a rua, a exemplo das mulheres que cuidam das crianças para que os pais possam curtir”, afirmou Hildete Souza, coordenadora do COETRAE.
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