Desde 2017, a província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique sofre com ataques de terroristas, orquestrados por jihadistas, conhecidos pelo nome de al-Shabab (“Os jovens”, em árabe). Os terroristas, que juraram fidelidade ao grupo Estado Islâmico em 2019, têm saqueado vilarejos e cidades na província de Cabo Delgado, provocando o êxodo de 700 mil pessoas, segundo a ONU. O último grande ataque do grupo foi na quarta-feira (24), à vila de Palma, no extremo norte da província, onde há o maior projeto de gás natural em África. A situação humanitária é grave, complexa, e ainda agravada por um surto de cólera e de Covid-19. Especialistas acreditam que ao passar dos dias ela pode ficar ainda mais grave caso ocorra uma expansão da guerra para outras províncias.
Os ataques já mataram pelo menos 2.600 pessoas na província, metade civis, de acordo com a ONG americana Acled (sigla em inglês para Projeto de Localização de Conflitos e Eventos Armados).
Eric Morier-Genoud, autor do livro Catholicism and the Making of Politics in Central Mozambique, 1940 – 1986 e professor da Universidade de Belfast, estuda a insurgência jihadista em Cabo Delgado, Moçambique. Segundo o magistrado, os ataques começaram pois os insurgentes recusam a sociedade atual e querem uma nova sociedade regida pela lei islâmica.
“Os insurgentes chamam-se “Al Shabaab” e são afiliados desde 2019 ao Estado Islâmico. Eles rejeitam a sociedade secular existente e querem estabelecer uma sociedade regida pela lei islâmica, a sharia. Mais, querem estabelecer um califado; o Estado Islâmico fala de Moçambique e Congo constituírem uma província (Wilayat) do ISIS (Daesh) na África central. Mas os insurgentes também falam de um califado swahili por estabelecer na África de leste – Moçambique, Tanzânia, Quénia“, explicou Eric Morier-Genoud em entrevista ao portal português Esquerda.
O ataque à província de Palma, cidade com 75 mil habitantes e a poucos quilômetros de um complexo de gás no Nordeste de Moçambique, obrigou milhares de pessoas a abandonarem o local para buscar refúgio em aldeias vizinhas. A ONG Human Rights Watch afirmou que havia “cadáveres nas ruas”, e o governo fala em “dezenas de mortos”.
“Quase toda a cidade foi destruída. Muitas pessoas morreram“, disse à agência AFP por telefone um trabalhador retirado de uma central de gás.
Esses insurgentes que orquestram os ataques são recrutados à força ou de maneira voluntária, conforme explicou Eric Morier-Genoud em entrevista ao portal português Esquerda: “Os insurgentes tem origem numa seita religiosa que teve início no fim dos anos 2000. Retiraram-se da sociedade para viver no mundo deles, sob o reino da sharia. A seita cresceu em toda a província de Cabo Delgado, mas foi reprimida e radicalizou-se. Por volta de 2015 ou 2016, os líderes decidiram passar a um projeto de “jihadismo armado”, isto é: entrar em guerra para mudar a sociedade afim de estabelecer um regime de sharia. Os lideres da insurgência são os lideres da seita religiosa, principalmente Moçambicanos com alguns Tanzanianos. Inicialmente, o recrutamento era principalmente local, seja à força ou de forma voluntária. Mas, desde 2019, parece haver cada vez mais recrutamento de outras províncias do pais e de fora do pais. Há quem estime que existem atualmente entre 2.000 e 3.000 combatentes, com cada vez mais estrangeiros“, explicou o professor.
Desde que começaram os ataques armados em Cabo Delgado, os insurgentes já atacaram Mocímboa da Praia, Macomia, Nangade e Palma.
Em entrevista ao portal português DW, o historiador Yussuf Adam, explicou que a escolha destas cidades é feita de maneira estratégica para dificultar a ligação entre a capital Pemba, a Palma por via terrestre: “Controlando Mocímboa da Praia, a ligação por estrada com o distrito de Palma saindo de Pemba fica cortada, a única hipótese para ir a Palma é via barco ou avião“, explica. Desta forma, o grupo jihadista consegue transitar po um “corredor” no planalto de Mueda, “que começa da aldeia de Namile, na Mocímboa da Praia, ao distrito de Palma”.
Papa Francisco pede ajuda às vítimas do “terrorismo internacional”
Neste domingo (04), durante sua mensagem de Páscoa, o Papa Francisco lembrou da população de Cabo Delgado, em Moçambique, numa referência às vítimas do “terrorismo internacional”.
“Que a força do Ressuscitado apoie as populações africanas que vêm o seu futuro comprometido pela violência interna e pelo terrorismo internacional, especialmente no Sahel e na Nigéria, bem como na região de Tigray e Cabo Delgado. Que continuem os esforços para encontrar soluções pacíficas para os conflitos, respeitando os direitos humanos e a sacralidade da vida, com um diálogo fraterno e construtivo em um espírito de reconciliação e de solidariedade efetiva“, declarou.
Na mensagem o Papa Francisco apelou à paz nos vários conflitos existentes: “Ainda há muitas guerras e muita violência no mundo! Que o Senhor, que é a nossa paz, nos ajude a superar a mentalidade da guerra. Que Ele conceda aqueles que estão presos em conflitos, especialmente no leste da Ucrânia e em Nagorno- Karabakh, que voltem em segurança para suas famílias e inspirem os líderes do mundo a impedir a corrida por novas armas“, disse.