Por Marco Rocha*
Após três semanas do início da maior expressão da crise climática brasileira que arrasou o Rio Grande do Sul, é preciso enxergar para além do óbvio. As cidades brasileiras não estão preparadas para os extremos climáticos que chegaram para ficar e não, não foi o clima que enlouqueceu, fomos nós que disparamos, ao mesmo tempo, todos os gatilhos da degradação ambiental. Confiamos na imensidão de recursos que são finitos, impomos um ritmo fabril a natureza, ignorando o processo evolutivo que nos trouxe até aqui. Mas, apesar de todos sentirmos os efeitos do caos climático, de diferentes formas, grande parte do que vivemos é pensando, projetado e executado por quem detém o poder de decidir o que deveria ser melhor para o coletivo. Mas é óbvio que tem gente que não está cumprindo as suas funções.
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O agravamento da emergência climática no Brasil é um projeto de poder. E essa afirmativa não é um exagero. A classe política, empresários do agronegócio, empresas estatais e privadas, mineradoras, petrolíferas e indústrias dos mais variados setores compartilham do mesmo objetivo: acúmulo de riqueza. E para alcançar as cifras bilionárias precisam extrair todos os recursos naturais que encontram pela frente. Tem sido assim com o plantio histórico de monoculturas e com a pecuária que avançam sobre biomas como cerrado, floresta amazônica, pampa, mata atlântica e pantanal. Tem sido assim com a agressividade das mineradoras que arrasam ecossistemas de forma definitiva. E não é diferente com a atividade industrial que polui corpos d’água, solos e o ar. Tudo em nome de um progresso que enche o bolso de poucos que conseguem se manter a salvo, enquanto uma massa de pobres, periféricos, negros em sua maioria, sofrem frontalmente os impactos da crise climática.
Para entendermos como esse projeto de poder equivocado se relaciona com a crise climática, é preciso contextualizar historicamente. Desde a invasão de 1500, os colonizadores se ocuparam em explorar a exaustão todas as possibilidades daquilo que poderia ser transformado em dinheiro e poder. Foi assim com os ciclos econômicos da cana de açúcar, do café, da borracha, do cacau e agora com a soja e com a força do agro, considerado a locomotiva da economia brasileira. E paralelo a isso, a mineração extraiu
pedras preciosas e muito ouro, alterando curso de rios e devastando montanhas que alteraram o relevo de vários estados do país, como Minas Gerais. E o garimpo ilegal segue dando as cartas, sobretudo na Amazônia, envenenando comunidades tradicionais e destruindo ecossistemas. As mineradoras seguem sendo as responsáveis pelos maiores desastres ambientais registrados no Brasil, como Mariana e Brumadinho, ambas em Minas Gerais. Mas nada disso acontece de forma espontânea.
A classe política desse país pode apresentar diversas divergências, mas tem algo que aproxima a maioria das cores e espectros políticos: o mais profundo desprezo pelo meio ambiente. É disso que se trata. E não é preciso se esforçar muito para chegar a essa conclusão. Basta ver como o último governo federal e o congresso nacional atuaram na área ambiental nos últimos 6 anos. Durante esse período vimos o pantanal perder mais de 25% de sua área por conta de queimadas, recordes sucessivos no desmatamento da Amazônia e um aumento colossal na emissão de gases de efeito estufa. Tudo isso com a chancela do executivo e do legislativo brasileiros.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Ambientais (INPE) e do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI), as atitudes tomadas pelos governos com relação as questões ambientais nos últimos 30 anos, foram definidoras para chegarmos nesse momento de emergência climática sem precedentes. E o que testemunhamos hoje no Rio Grande do Sul, corrobora totalmente com esse estudo.
A região sul é a que mais sofre com o aumento do volume de chuvas, o que ficou comprovado no estudo do INPE, que mostra um aumento de 30% no volume de chuvas nas últimas três décadas. E, nas demais regiões, foi evidenciado um aumento de temperatura acima do normal, como demonstrado no mapa acima.
Apesar de todos os alertas da ciência e de todas os impactos que a crise climática nos impõe frequentemente, a classe política (sempre ela) caminha na contramão da proteção ambiental, que era assegurada por uma legislação robusta respaldada pela Constituição de 1988. Apenas em 2014, 25 projetos de Lei e 3 propostas de emenda a constituição (PECs) foram colocados para a apreciação do Congresso Nacional, avançando na Câmara e aguardando a análise pelo Senado Federal.
Essa ofensiva dos parlamentares ligados as bancadas do boi, da bala e da bíblia, expressam o conservadorismo que é defendido por uma extrema direita que, disfarçada de Deus, pátria e família, segue dilapidando o nosso patrimônio genético, passando a boiada em todos os biomas brasileiros, num grande vale tudo onde não há limites para o acúmulo de riquezas. A degradação ambiental e as crises socioambientais e humanitárias decorrentes do agravamento da crise climática, para aqueles que dão as cartas, não passam de um efeito adverso que pode até incomodar, mas que não pode, jamais, atrapalhar o projeto de poder que, há 524 anos, sustenta a desigualdade socioambiental nesse país.
*Marco Rocha é biólogo, professor, palestrante, comunicador e pesquisador com mestrado em Biologia celular (Fiocruz), Doutorado em Biotecnologia Vegetal (UFRJ e University of Ottawa/Canadá), com Pós-doutorado em Plantas medicinais com atividade antiviral (Fiocruz), com dezenas de artigos e capítulos de livros publicados em literatura científica. Professor universitário a mais de vinte anos, atuando nos cursos da área de saúde das universidades públicas (UFF e UFRJ) e nas principais universidades privadas do Rio de Janeiro. Marco Rocha também é ator, escritor, comunicador e administra as mídias sociais @aquipensando01 onde promove divulgação científica, reflexões sobre o cotidiano, discussões sobre etarismo e ativismo antirracista. Autor dos livros @aquipensando01 – coleção instapoetas e co-autor do livro Pretagonismos.
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